Juremir Machado da Silva

Rita Lee, primeira e única

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Rita Lee, primeira e única Rita Lee. Foto: Marco Senche

Impossível não escrever sobre Rita Lee ainda que seja para exprimir o que muitos outros já fizeram. Todos nós, da minha geração, fomos Rita Lee em algum momento. Ou quisemos nos sentir como ela. Rita Lee era a liberdade, a autonomia, a irreverência, o talento e o mérito. Andava com quem queria e não se importava com as reprimendas. Cantava o que a gente sentia com uma simplicidade que parecia impossível. Quem não quis em algum momento viver pelado, pintado e tomar banho de sol? Pode ser que essa letra agora venha a ser interpretada como uma visão edulcorada dos indígenas, sem contar o uso da palavra índio, mas duvido que se possa ver nela mais do que um puta elogio, uma homenagem sem tamanho a uma ideia de cultura maior.

Rita Lee encarnou o que uma juventude sufocada queria expressar. Quem não se sentiu ovelha negra? E não cantou de porre ou de cara:

“Levava uma vida sossegada
Gostava de sombra e água fresca
Meu Deus, quanto tempo eu passei
Sem saber

Foi quando meu pai me disse
Filha, você é a ovelha negra da família
Agora é hora de você assumir e sumir

Baby, baby
Não adianta chamar
Quando alguém está perdido
Procurando se encontrar

Baby, baby
Não vale a pena esperar, oh não
Tire isso da cabeça
E ponha o resto no lugar”.

Mais uma vez uma expressão que se tornaria proibida. Rita Lee, porém, era o seu tempo e, ao mesmo tempo, o depois, a superação, mostrando sempre que cada coisa tem muitas faces e nem sempre se pode chapar os sentidos numa única tradução ou tradição. Em outras palavras, Rita Lee foi polissemia, mutante, obviamente mutante, caras, bocas, roupas, estilo, provocação, anarquismo e loucura, desde dentro, sem ir embora do sistema, como nós não podíamos fazer, embora sonhássemos com isso, tirando leite de pedra e servindo alucinações pelas rádios de qualquer lugar. Quantas vezes nas tardes espessas de nossas terras de nascimento não escutamos Rita Lee pisando nos calçamentos das pauliceias desvairadas, querendo viajar no universo e romper a monotonia das vidas sossegadas e dos destinos traçados a giz?

Todos nós, adolescentes dos anos da ditadura, quisemos em algum momento assumir e sumir. Assumir sonhos, ideias, desejos, corpos, mentes, sexualidade, utopias ou simplesmente o desejo de botar o pé na estrada. Ovelha negra foi o combustível dos anos 1975, turbinado com o título brasileiro do Inter, uma mescla de temor e euforia que transbordaria em Mania de você, de 1979, e sempre passou pelo Fruto proibido, aquela letra total e desconcertante que dizia tudo:

“Um belo dia resolvi mudar
E fazer tudo o que eu queria fazer
Me libertei daquela vida vulgar
Que eu levava estando junto a você”.

A gente sabe, Rita Lee, nunca faltou você. Nem faltará. A sua música ficará para sempre como o legado de uma época de contradições, grandes planos, pequenas brechas e muita música de nunca esquecer.

Obrigado mesmo. Você foi demais.

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