Juremir Machado da Silva

Que baita show da Maria Bethânia

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Que baita show da Maria Bethânia Maria Bethânia segue com potência aos 77 anos | Foto: Camila Alcântara / Divulgação

Uma das maiores vozes do Brasil, Maria Bethânia fez duas apresentações em Porto Alegre na semana passada. Vimos o show da quinta-feira. Um dos melhores que assisti na vida. Assim mesmo, sem qualquer exagero. Bethânia pediu homenagem a Gal Costa. Gal, Maria Bethânia e Elis Regina formam o trio de ouro da moderna música popular brasileira. Claro que o auditório Araújo Vianna explodiu de tanta gente. O que chama a atenção é qualidade da voz da Bethânia aos 77 anos de idade. Parece que o tempo não passou para a voz dela. A força, a potência, o timbre, a clareza, tudo está preservado na sua voz.

Detalhe importante: uma sequência de interpretações sem golezinho de água. No gogó, na resistência e na saúde. Tem muito cantor que depende de dois ou três sucessos históricos para sustentar o interesse do público. Bethânia tem um repertório tão rico, variado e consagrado que tudo interessa aos ouvintes. As transformações tecnológicas, com o fim da hegemonia do disco físico, recolocaram os cantores na estrada. É preciso fazer shows o tempo inteiro. Em alguns casos, a repetição vai desgastando e soluções precárias são sendo adotadas, como cantar um pouco e passar o microfone para alguém mais jovem, até filhos. Às vezes, rola bem. Outras, nem tanto. Maria Bethânia conta com uma banda competente. O tempero foi a participação da percussionista Lan Lahn, que faz seu show à parte: que energia!

Nestes tempos de sertanejos universitários, Maria Bethânia é um paraíso para os ouvidos. Que me desculpem os que amam outros registros, mas Bethânia faz parte de outra categoria. Ela consegue aliar sofisticação, simplicidade, poesia, musicalidade e pegada popular ao mesmo tempo. O que mais impressiona, de toda maneira, é a qualidade da voz, essa potência sonora que a cantora ama explorar até o máximo para êxtase dos seus ouvintes. O show de Bethânia lavou a alma de quem acaba ouvindo duplas atuais de sucesso em viagens de Uber.


Tambor tribal (Adeus a Margaret Bakos)

Historiadora, professora da PUCRS e depois da UFRGS, Margaret Bakos faleceu última sexta-feira. Fui aluno dela. Admirei seus trabalhos, numa época, sobre trabalho no Rio Grande do Sul. Mais tarde, ela se especializou em egiptologia. Uma vez, nos encontramos em Machu Picchu. Nos últimos anos, ela havia descoberto a ficção. Fiz um texto de apresentação para o seu belo livro “Pilar de Osíris”. Ei-lo:

Este livro, Pilar de Osíris, é o romance de estreia da historiadora Margaret Bakos. Pelo jeito, ela veio para ficar em literatura. O que se encontra nestas poucas dezenas de páginas? Uma escrita concentrada, sempre com a corda esticada ao máximo, nenhuma linha perdida, sem excessos, tudo sob medida para a necessidade da história. Os obcecados por definições de gênero entrarão num debate estéril: romance ou novela? Talvez seja o caso de a autora se preparar para responder como Machado de Assis a Capistrano de Abreu: “As Memórias Póstumas de Brás Cubas são um romance?” O próprio personagem narrador defunto respondia “que sim e que não, que era romance para uns e não o era para outros”. Assunto, portanto, muito bem resolvido.

Margaret Bakos usa os seus conhecimentos históricos, sem sobrecarregar a narrativa com um discurso de autoridade, para contar a vida de um escriba egípcio. O leitor viajará ao Egito antigo, aprenderá sobre os seus costumes, tomará conhecimento das múltiplas atribuições de um escriba, viverá com ele e sua família angústias, temores e expectativas. Entrará em palácios, experimentará o clima místico, sentirá a presença do faraó, entenderá que cada povo pode viver uma realidade, esse é o termo, capaz de parecer irreal a outros. Não darei qualquer spoiler – palavra que se impôs e apavora resenhistas e prefaciadores – para evitar a quebra do mistério da obra. Direi apenas que vale investir num pacto de leitura. A escritora, sem nada prometer, entrega reflexão, emoção e alegria.

Como assim alegria? Um texto de ficção nunca deixa de ser uma proposta séria de entretenimento a ser conferida na hora. Se for bom, proporciona a alegria da leitura, a satisfação dos sentidos, o contentamento da alma, supondo que ela existe ou que denomina essa parte de nós que não localizamos, mas sentimos, e que guarda possivelmente o mais importante do que somos. Ouso dizer, nossa essência. Fui pego pela narrativa desde este primeiro parágrafo tão conciso quanto convidativo: “Dhutmose era um escriba qualificado que trabalhava na vila de Deir el Medina, no Alto Egito. Ocupava o posto mais importante do lugar, o que lhe dava o título de Escriba da Tumba”. O resto foi seguir o fio da navalha e a densidade do texto.

O Padre Vieira teria dito depois de uma longa carta, “não tive tempo de ser breve”. Eu serei. A concisão do livro me obriga a ser econômico. Creio que o leitor é que se permitirá esbanjamentos.

Obrigado por tudo, Margaret Bakos.


Parêntese da semana

“Tá rindo de quê?” A revista homenageia o grande Millôr Fernandes. Luísa Kiefer comanda: “Em 16 de agosto Millôr Fernandes completaria 100 anos. Foi o centenário desse grande humorista e pensador brasileiro que nos levou a dedicar a edição deste mês ao humor. Pensamos no seu jeito irreverente e inteligente de retratar a sociedade, em suas tiradas irônicas e sarcásticas que colocavam o Brasil na ponta do lápis com uma sagacidade única. Mas pensamos também na passagem do tempo, nas coisas que mudaram nas últimas décadas, nos avanços e retrocessos que presenciamos enquanto sociedade e, consequentemente, naquilo que, hoje, nos faz rir. Então nos perguntamos: o humor mudou?” Tem muita gente boa nessa edição, inclusive o editor Ivan Pinheiro Machado, da L&PM.

Minha contribuição foi um texto para rir: “humor involuntário”. Meu stand up.


Frase do Noites

O iluminista não perdoa ninguém: “Quando alguém publica livros sem parar é porque ainda não conseguiu se tornar escritor”.


Imagens e imaginários

No Pensando Bem, que vai ao ar todo sábado na FM Cultura, 107,7, numa parceria da Cubo Play com Matinal e revista Parêntese, Nando Gross, Luís Augusto Fischer e eu conversamos com Juarez Fonseca, mito e lenda do jornalismo cultural do Rio Grande do Sul, o homem que só não entrevistou Vinicius de Morais na MPB, por não ter tentado. Elis Regina era sua entrevistada recorrente. De uma vez só, Juarez entrevistou Tom Jobim e Chico Buarque.


Escuta essas

Cinco fragmentos esparsos e emocionantes do monumental show de Maria Bethânia no Araújo Vianna, na última quinta-feira:
A voz que se solta e não envelhece
Salvar a natureza
Dar a volta por cima
A hora dele chegou
Gonzaguinha na veia

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