Juremir Machado da Silva

Subjetividade no imaginário

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Subjetividade no imaginário

O leitor talvez se diga que imaginário e subjetividade são sinônimos. Tentarei contrariá-lo. O imaginário é objetivo. Melhor, uma subjetividade objetivada. Como assim? Que conversa é essa? Até o imaginário será quantificado? Será o imaginário cada vez mais o produto de um algoritmo? Não. A fraqueza dos algoritmos consiste justamente em que eles não têm imaginário. Mesmo que detenham todas as experiências subjetivas numa memória infinita, as inteligências artificiais não retêm qualquer fragmento de vinculação emocional.

Não se escolhe o imaginário. Daí que o imaginário se impõe a nós como a loteria do nascimento. Ninguém escolhe onde vai nascer, rico ou pobre, num país gelado ou nos trópicos, heterossexual ou homossexual. O imaginário é da mesma ordem. A ordem da imposição natural. A distopia científica mais radical poderá ser um dia a de um laboratório criador de imaginários. Por enquanto, o imaginário surge espontaneamente. Contudo, é irrecusável. Não se pode dizer não ao imaginário. Se o ser humano tenta resistir a alguma das pulsões interiores que o assaltam, não pode fazer o mesmo com o imaginário, que é uma imposição suave, doce, sedutora, inexorável. Para Gilbert Durand o trajeto antropológico une “a incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas emanadas do meio cósmico e social”. O imaginário, no limite, pode ser visto, como uma intimação objetiva da subjetividade.

Ele ordena: mostre-se. O imaginário não é representação. Não encena algo nem se coloca no lugar de outra coisa. Existe em si. Ao longo da vida, o ser humano recorta fragmentos da sua existência e dá-lhes um valor memorável. Atribui-lhes um excedente de sentido. Quem comanda o imaginário? Que máquina faz os recortes? Quem seleciona? Quais os critérios? Um Roland Barthes poderia dizer que o imaginário, a exemplo da língua, é autoritário, fascista, ditatorial, determinista. Mas, na verdade, o imaginário é a suprema liberdade. Nada nele é definitivo. A sua principal característica é a mudança. Há cristalização e mutação. Nenhum estado dura para sempre. Não se pode, no entanto, decidir: vou mudar de imaginário. Nem escolher um novo imaginário numa loja virtual. Basta navegar nas suas ondas. O imaginário é uma biografia subjetiva objetivada. Escolhe-se um caminho. Só se fica sabendo da caminhada depois do acontecimento.

Não se pode imaginar o imaginário como quem planeja uma viagem de turismo. O imaginário não é a imaginação aplicada. Mas uma vivência concreta transformada em resto, aquilo que sobra, um excedente. Possivelmente essa seja a grande força do imaginário: não pode ser convertido em mercadoria, não está disponível como projeto de vida, não pode ser calculado, embalado e previsto por nenhum aplicativo. O imaginário é o último reduto do humano, estado onde o artificial não passa de uma simulação, cópia pálida de uma realidade trasbordante. O imaginário não pode ser copiado. Nem instalado em outra mente. Se existem tecnologias do imaginário, elas são sempre sugestivas. Cada um terá com elas uma relação singular. O imaginário é objetivamente soberano. Só faz o que quer, quando quer e com quem ele bem entende.

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