Juremir Machado da Silva

Tempo de Feira do Livro

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Tempo de Feira do Livro Foto: Diego Lopes / Divulgação

A Feira do Livro de Porto Alegre está de volta, radicalmente presencial. Há nela algo de intemporal, de atemporal ou de docemente anacrônico: essa aposta na palavra impressa, em contar histórias, em fazer do texto uma impressão digital contra o primado das imagens. Talvez um dia, quando o virtual se impuser definitivamente, as feiras de livro se transformem em imagens num repositório da história, uma nuvem passageira que durou o que durou, séculos de civilização. Então a pré-história não será o mais o que veio antes da escrita, mas o tempo em que a escrita foi tecnologia de memória e transporte de informações, fantasias, sonhos, ficções e realidades. Tempo de feira, tempo de livros. Aqui vão as minhas sugestões de leitura.

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A segunda humanidade

“A segunda humanidade, ou contos transantropológicos” (editora Independente), de Atena Beauvoir, primeira vereadora trans de Porto Alegre (PDT). Um dos contos começa com uma frase cortante: “Eu me lembro de todas as violências que eu sofri”. Leitura obrigatória.

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A vida futura

Romance de Sérgio Rodrigues, “A vida futura” (Cia das Letras) coloca em Machado de Assis e José de Alencar em cena no pós-morte. Um tanto pretensioso e artificial, não deixa de ter bons momentos. Vale, antes de tudo, pela ideia e pelos personagens. Superestimado. Mesmo assim, indico. Quem sabe sou convencido de que estou errado.

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Do meu jeito

O gaúcho Mauro Fiterman, em “Do meu jeito” (AGE), romance de sensível cunho psicológico, aborda sentimentos, sensibilidades e experiências de libertação pessoal. Um capítulo começa assim:

“– Quanto silêncio hoje!

– É o que eu estava pensando.

– Você quer falar no que estava pensando.

– Acho que sim.”

O silêncio sempre tem muito a dizer,

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Como cuidar de um familiar com alzheimer e não adoecer

Leandro Minozzo é geriatra, professor da Feevale e atento observador da vida atual com seus males e suas expectativas na redenção pela ciência. Em “Como cuidar de um familiar com alzheimer e não adoecer” (Sulina), ele mostra o seu vasto conhecimento de especialista nessa doença terrível e toda a sua sensibilidade para a escuta e a compreensão de todos os que acabam indiretamente atingidos por um sofrimento compartilhado como uma dura prova a ser suportada.

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A desigualdade no Brasil nos anos 2000

Originalmente uma dissertação de mestrado em Ciência Econômicas na UFRGS, “A desigualdade no Brasil nos anos 2000 – avanço ou retrocesso” (Appris), de Christian Jesus Silva de Azevedo, é um livro que ajuda a entender coisas como o golpe contra Dilma Rousseff em 2016. Quando os menos favorecidos começam a ter aumento na divisão do bolo da renda nacional e os mais favorecidos veem o seu crescimento desacelerar nessa partilha, os donos do poder se unem para se defender. Azevedo usa a mesma base de dados do famoso economista francês Thomas Piketty para dar sustentação aos seus argumentos.

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A jornalista silenciada

Christa Berger sempre foi uma das melhores pesquisadoras e professoras de jornalismo do Rio Grande do Sul. Atuou na PUCRS e na Unisinos. Formou geração que não a esquecem, entre os quais eu. Aposentada, mergulhou na pesquisa e na redação de um belíssimo livro: “Jurema Finamour, a jornalista silenciada” (Libretos). Na apresentação da obra, Lélia Almeida situa sobre a biografada: “A depender do discurso da oficialidade, Jurema apareceria, então, apenas como secretária de Pablo Neruda, companheira de Letelba, cronista feminina, subversiva irresponsável e boa cozinheira”. Sobre a autora: “Christa Berger, jornalista, pesquisadora e biógrafa, com as mãos ungidas no buquê com os óleos do alecrim, do manjericão, da espada-de-são-jorge, da arruda, da guiné, da pimenta e da comigo-ninguém-pode, traz a público uma história umedecida e silente, como são as histórias das grandes mulheres que constroem os momentos mais desafiadores das histórias dos seus países e que sempre são ignoradas pelo cânone intelectual e literário masculino, que lhes destina o lugar de uma ausência contundente ou de mera coadjuvante”.

Um livro incontornável.

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Crônicas dos anos da peste

David Coimbra foi um dos maiores cronistas da história do Rio Grande do Sul. Em “Crônicas dos anos da peste & outras histórias”, publicado postumamente pela L&PM, todo o seu talento aparece. David sabia como poucos contar uma história. Arrancava com carinho do cotidiano a matéria para as suas reflexões, ironias ou demonstrações de amor. Sem qualquer concessão à pieguice ou à autoajuda, tão comuns nos cronistas atuais, produzia quadros profundos com leveza crônica.

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Considerações sobre o poder

Marcos Juliano Borges de Azevedo, nascido em 1942, tem passado a vida conhecendo a alma humana em processos como advogado trabalhista. Por outro lado, a política sempre foi objeto da sua atenção. Em “Considerações sobre o poder” (Sulina), ele usa toda a sua erudição para fazer uma tomografia do poder. Ensina: “O agente é sempre um usufrutuário, benigno ou maligno, para o bem ou para o mal. O pode é sempre um fenômeno social integrado por elementos próprios e independentes do agente”. Uma aula imperdível sobre o poder.

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