Juremir Machado da Silva

Turbulências aéreas genéricas

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Turbulências aéreas genéricas Foto: Felipe Rodrigues

Neste sábado, no avião de São Paulo para Porto Alegre, voltando da França, experimentamos uma turbulência assustadora. As quedas do avião no ar faziam pensar num elevador despencando. A gritaria foi intensa. Depois do susto, quando aterrissamos, os aplausos ao piloto da Gol foram demorados. Duas grandes salvas de palmas. Pouco antes da descida, pude ver a periferia da cidade do alto. Tudo alagado. Fiquei impressionado com a altura dos nossos rios, roçando nas pontes. Não sei se a turbulência acontecida esteve em nível bastante conhecido pela tripulação. Sei que para nós, passageiros, foi angustiante. Pareceu interminável e perigosa.

Enfrentei turbulências algumas vezes na vida, duas delas em aviões pequenos. Uma vez, de Chapecó para Santo Ângelo, numa manhã cinzenta. Inesquecível. Tive a nítida sensação de que não conseguiríamos vencer os obstáculos da natureza. Há toda uma psicologia que entra em ação no momento de uma turbulência. Bebês desatam a chorar. Crianças não contêm os gritos. Mulheres se sentem menos obrigadas a esconder o que estão sentindo. Homens, embora com medo, tentam disfarçar. A gritaria, em nossa turbulência, foi amplamente feminina. Não digo isso para destacar uma fragilidade das mulheres ou por triunfalismo machista mais do que nunca inapropriado. Ao contrário, destaco essa força que permite liberar o temor. Homens tossiram, gemeram ou suspiraram. Apertei forte a mão da Cláudia, que retribuiu com a mesma intensidade. Foi um “tamo juntos” silencioso, quase uma jura de amor em meio a olhares aflitos e longos.

O medo libera as bocas. As conversas são imediatas. Desconhecidos passam a conversar, a trocar impressões, a dividir o pavor. Creio que alguns pinotes a mais do avião e passaríamos a outra etapa do susto. Rezaríamos? Apertaríamos mãos vizinhas? Com os pés no chão, voltam o humor, a coragem, as tiradas espirituosas e uma enorme alegria de viver. Quando me perguntaram se me borrei de medo e se gritei, respondi, pachola:

– Gritei dá-lhe, Inter.

Na hora, confesso, não me lembrei de futebol nem de qualquer coisa divertida. Tenho a impressão de que o avião tocou o solo numa velocidade mais alta do que a costumeira. Achei que levou mais tempo para frear. Temi que faltasse pista. Tudo isso, creio, não ocorreu. Deve ter sido simplesmente o meu sistema de alarme ainda acionado. Custei para apagar o sinal mental de perigo. Quando passei pelo piloto, que sorria tranquilamente saudando os passageiros na saída da aeronave, pensei em fazer um cumprimento caloroso ou até em lhe dar um abraço, mas me contive. Afinal, sou homem: não sinto medo, não grito, não abraço desconhecidos e não faço elogios que possam revelar o cagaço que tomei. Além disso, ele poderia me dizer displicentemente: “Não foi nada, só uma trepidaçãozinha”.

Enfim, refleti sobre gênero. Concluí que o gênero masculino ganha facilmente do feminino numa categoria vital: fingimento e dissimulação.

Possivelmente meus companheiros de voo reajam com um “não generaliza, vai”.

Espero não ter oportunidade de reavaliar a situação.

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