Juremir Machado da Silva

Um passeio no Metaverso

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Um passeio no Metaverso Foto: rawpixel.com/Freepik

A primeira versão de metaverso que eu vi se chamava Palace. Um amigo, em Paris, nos chamou para uma demonstração. Vimos com dificuldade um bonequinho de neve se mexer na tela. Era um avatar. Isso foi lá por 1998, acho. Era o metaverso da idade da pedra. Depois veio o Second Life. Mais sofisticado e igualmente impressionante. Muita gente entrou no jogo, que se pretendia mais do que jogo. Do Palace ninguém lembra. O Second Life virou um cemitério digital. O Metaverso, terceira geração dessa utopia (ou distopia) de imersão, chegou com muito mais impacto. Assisti, na Casa da Memória Unimed RS, a uma palestra de Martha Gabriel sobre o assunto. Ela fala muito bem, conhece o tema e não esconde o seu entusiasmo. Nem deveria. Autora de livros como “Você, eu e os robôs – como se transformar no profissional digital do futuro” e de “Inteligência artificial, do zero ao Metaverso”, a palestrante aponta para um mundo sem retorno nem vela.

Jean Baudrillard dizia que a humanidade esperava que a inteligência artificial a salvasse da sua estupidez natural. O Metaverso talvez nos livre do nosso mundo animal. Físicos falam em universos paralelos. Por que não vidas paralelas com óculos de imersão e desejos de metamorfose? Martha Gabriel enfatiza que o “Metaverso não é revolução, mas evolução” e que não é game. Pode não ser. Mas que parece, parece. A meninada que já nasce imersa em todo tipo de jogo eletrônico nem se dará conta quando estiver no Metaverso de Mark Zuckerberg ou em outro qualquer. Apesar da conferencista lembrar que o metaverso é um só, assim como a internet, não é impossível pensar que haverá diferentes clubes para saciar a busca por distinção de cada um.

As desconfianças dos mais céticos serão sempre vistas como coisa de velho. O etarismo não perdoa dúvidas e hesitações tecnológicas. Outro dia, entreguei o cartão de débito para uma vendedora. Ela entendeu crédito. A minha voz saiu abafada pela máscara, que eu continuo usando, assim como uso meia todos os dias. Um amigo muito querido, que pratica um etarismo inconsciente e muito educado, perguntou se eu ainda usava crédito. Uma suave condescendência.

O “ainda” separa a geração Metaverso das outras. Nunca levei muito a sério essa sopa de letrinhas: Geração Y, Geração Z. Vejo que, em geral, vão do funk ao sertanejo, especialmente o último. Gostei muito da palestra de Martha Gabriel. Ela não duvida que as máquinas venham a experimentar emoções, pois estas derivam de reações químicas. Se isso acontecer, estaremos, enfim, dispensados desta dura existência em que a maioria vive para sobreviver por um gol de bicicleta ou um crepúsculo sobre o Guaíba. Meu amigo Dominique Wolton é um dos poucos intelectuais que conheço a não temer ser chamado de velho por suas posições. Ele denuncia constantemente a “ideologia tecnicista”, que vê na ação da tecnologia a ampliação automática da democracia ou da inteligência. Martha Gabriel não descarta a possibilidade de uma competição entre a pessoa e seu avatar. Afinal, no Metaverso, em princípio, será possível ter a vida que a realidade tangível não entrega. Resta saber qual será o custo interno da operação, pois o Metaverso amplia o horizonte da vida que já vivemos, não o elimina.

Estou entre os que adotam todas as tecnologias sem medo nem resistência, ainda, sempre o ainda, que me guie por um princípio de utilidade, que pode ser o prazer. Não solto rojões nem renego. Como jornalista, fui informatizado no final de 1986, na Zero Hora. Tive meu primeiro Mac em 1992. De lá para cá, perdi as contas de quantos já tive. Experimento tudo: Twitter (onde todos se odeiam), Facebook (com seus longos obituários), Instagram (onde só existem vencedores), Tik Tok (onde tudo é besteirol, com a vantagem de ser curto) e mais o que se possa imaginar e dispor. Há muito me convenci de que a ciência e a tecnologia, com a informática e a internet, passaram a investir no principal: nos distrair da falta de sentido da vida que levamos.

Já é muito. Talvez seja tudo.

Agradeço aos amigos Nilson May e Alcides Stumpf pela palestra de Martha Gabriel. São momentos assim que nos fazem pensar e sonhar.

*

Dr. Alcides Stumpf assumirá a presidência da Associação dos Amigos da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, da qual já é vice. Gilberto Schwartsmann, atual presidente, continua na presidência da Associação dos Amigos do Theatro São Pedro. Provavelmente, no entanto, terá novos desafios em seguida. Alcides e Gilberto têm feito um excepcional trabalho nessas entidades. Vem um grandioso evento aí: a mostra “Caminhos de Proust”, com documentos originais do maior escritor francês do século XX, estará aberta de 1º de dezembro a 17 de fevereiro de 2023 na Biblioteca Pública.

Paulinho da Viola

Hoje, o sambista mais elegante do mundo faz 80 anos. Paulinho da Viola é talento para encantar e aliviar de dias tristes:

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