Juremir Machado da Silva

Napoleão apaixonado

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Napoleão apaixonado Sony Pictures/Divulgação

Fui ver, a convite da Adufrgs, Napoleão, de Ridley Scott, com Joaquin Phoenix e Vanessa Kirby, em sessão especial no Shopping Moinhos. É difícil levar totalmente a sério um filme sobre o imperador francês, que saiu do nada e conquistou tudo, com todo mundo falando inglês. Minha capacidade de suspensão do juízo crítico fica prejudicada. “Vive la France” com sotaque britânico enquanto as forças francesas avançam sobre as inglesas soa tão verdadeiro quanto as boas intenções do corso. Americanos não leem legendas em filmes e são monoglotas. Preferem que Napoleão e Josephine briguem em inglês mesmo. De toda maneira, é um bom filme. Uma leitura sobre o lado “humano” de Bonaparte. Fica-se sabendo acima de tudo que ele era ruim de cama, estilo britadeira, o que levava Josephine a fazer cara de paisagem durante o ato. Antes de corneá-lo.

Esse é o drama de Napoleão na obra de Scott: ele vence batalhas, domina homens, provoca mortandades, não teme o frio da Rússia, constrói seu império, coloca o seu nome na história, mas não satisfaz sexualmente a sua Josephine, que, no entanto, parece amá-lo. Napoleão precisava de um filho para sucedê-lo no trono. Josephine não conseguia mais engravidar. O casamento foi desfeito. O imperador casou-se com a austríaca Maria Luíza, que lhe deu o tão esperado herdeiro. O laço com Josephine, porém, continuou. Não é preciso contar mais para quem faltou as aulas de história ou não viu outros filmes sobre esse imperador baixinho que pretendia conquistar o mundo para aliviar o seu terrível complexo de falta de estatura.

Josephine aparece bem na fita. Uma feminista “avant la lettre”, que dá o troco às infidelidades do marido: olho por olho, dente por dente, homem por homem, isto é, olhada por olhada, beijo por beijo, mulher por homem. E ainda especula sobre como seria se ela fosse o imperador. O homem que triunfou por toda parte fracassava em casa e se sentia pequeno. As cenas de batalhas são suficientemente boas para mostrar a estupidez da guerra: homens que avançam para a morte em formação, como se fosse um esquema tático de futebol, quadrado, losango, peças dispostas a vencer ou morrer para executar o plano do treinador, ou seja, do general, o estrategista, que não precisa nem levantar a voz para se fazer ouvir.

Apaixonado, romântico, desesperado de amor, furioso, choramingando de ciúmes, Napoleão volta do exílio em Elba para os seus cem últimos dias de glória ao ler que Josephine fora novamente apanhada “fora do ninho”, dançando com o jovem tsar russo. O filme faz valer a máxima de Balzac: “Cherchez la femme”. Como explicação histórica, um tantinho redutor, freudiano demais antes de Freud. Nem por isso inverossímil. Afinal, ao morrer exilado na distante Santa Helena, em 1821, Napoleão teria pronunciado, como últimas palavras, “França, exército, Josephine”. Os amores da sua belicosa vida. Atire a primeira crítica quem já não se sentiu um Napoleão em algum momento da vida. Patriótica, militar, amorosa?

A cada um o seu império, o seu complexo e as suas mágoas.

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