Juremir Machado da Silva

Notícias do Candoca

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Notícias do Candoca "Candoca é um personagem de Palomas, do tempo em que ser cronista fazia sentido" | Foto: Acervo pessoal

Um dileto amigo me disse estar com saudades do Candoca. Prometi que ia saber notícias dele. Candoca é um personagem de Palomas, do tempo em que ser cronista fazia sentido. As pessoas tinham tempo a perder e gostavam de ler histórias falsamente verdadeiras ou verdadeiramente falsas. Havia espaço para a fábula em jornais. Nem tudo se definia por ser a favor ou contra Lula e Bolsonaro. Candoca sempre foi um ingênuo. Acreditava que a política foi inventada para melhorar a vida de todos e, discípulo de Pangloss, criatura de Voltaire, tinha certeza de que o nariz foi criado por Deus ou pela natureza para segurar os óculos das pessoas.

Pois bem, investiguei e descobri: Candoca está vivo. Durante o pior da época bolsonarista, exilou-se em Melo, no Uruguai, onde viveu sob o nome de Cândido, imaginando estar seguro contra identificações e delações. Soube que Candoca já está de volta ao Brasil, embora ainda não tenha dado as caras em Palomas. Ele teme reações negativas por causa de sua maneira de falar. Quando acha uma moça bonita ela a chama de “pequena”. Se fica contente com alguma coisa, exclama “joia”. Tem medo que isso possa ser considerado provocação pelos mais ingênuos do que ele, aqueles que acreditaram na pureza do capitão. Candoca vai voltar. Só não sabe quando. Sente que o seu tempo passou. Mesmo assim, persiste e vive.

Candoca era amigo do Guma, o vidente que, para não errar, só previa o previsível. Previu que o Brasil embarcaria numa fria se abraçasse calorosamente a volta dos militares ao poder por meio do voto. Previu que o Inter será campeão novamente. Só não fixou a data. Previu que o vira-latismo se tornaria mais forte graças a uma astúcia: chamar de xenofobia toda defesa de qualidades de brasileiros. Candoca sempre se deslumbrou com os poderes proféticos de Guma. Compadres, tomaram muito mate juntos. Por serem da campanha, nunca usaram palavras como chimarrão e churrasco. Só conheciam mate e assado. Enfim, homens da velha guarda do pampa.

Se Candoca exilou-se em Melo, Guma foi para Tranqueras. Desde criança ouvia falar do carnaval em Tranqueras. Resolveu conferir. E ficou. Mas vai voltar também. Ainda mais agora que Palomas receberá o trem do pampa e que a toca do tigre virou paleotoca. A última previsão do Guma é esta: a guerra na Ucrânia ainda vai matar muita gente. Candoca anda perplexo com o apoio da esquerda latino-americana a Putin. Na sua inocência, achava que invadir um país, no século XXI, seria considerado por todo mundo como inaceitável. Guma riu dele. Coçou o bigode e disse:

– Faz como eu, Candoca. Não te mete em política.

Desempregado, Candoca prometeu pensar no conselho. Mas, teimoso, arriscou uma derradeira e ingênua pergunta, bem das suas:

– Não seria melhor todo mundo se meter em política?

Guma ficou sério. Passou uma tormenta pelos seus olhos negros como as águas da lagoa da Florentina. Pigarreou. Fechou um palheiro. Previu:

– Tchê, índio velho, prevejo que ainda vais levar muitos tombos.

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