Juremir Machado da Silva

Novos termos no mercado

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Novos termos no mercado Foto: Austin Distel/Unsplash

Longe de mim defender purismos linguísticos. As modas, contudo, me chamam a atenção. De um minuto para outro surge uma nova forma de dizer algo como simples tradução singular especialmente do inglês. Todo mundo agora “entrega” alguma coisa. Como professor devo “entregar” uma boa aula. Como jornalista me caberia “entregar” informação correta. Além disso, preciso “performar” no exercício de minhas atividades. O Internacional, ao enfiar 7 a 1 no Santos, “performou”, enfim, de acordo com os projetos do professor Eduardo Coudet e “entregou” uma atuação à altura dos sonhos da sua torcida.

Um novo verbo “escalou” as manchetes dos sites jornalísticos nos últimos dias. É o verbo “escalar” no sentido de crescer: “Na semana passada, o ministro Gilmar Mendes — famoso por suas críticas à Justiça do Trabalho — subiu o tom e fez a crise escalar”. A guerra entre Israel e o Hamas também “escalou” levando o mundo a ficar assustado. Num mesmo texto pode-se encontrar outra formulação curiosa: “Mendes usou ainda a expressão ‘visão distorcida’ para vocalizar o argumento…” Antigamente, ou seja, até semana passada, seria certamente defender ou exprimir o argumento. Tudo muda. Alfabetização virou letramento. Não é bem assim? É mais ou menos assim.

Parece que as pessoas cansam de dizer as coisas sempre da mesma maneira e deliciam-se com importações engraçadas. Sem contar que se encantam com a língua fashion. Modista virou fashionista. O verbo proliferar agora quase sempre vem acompanhado de pronome: “O ganhador demorou três semanas para buscar o prêmio, o que fez se proliferar os boatos sobre trapaças no sorteio”. No mundo corporativo os termos em inglês valem como um “crachá”. “Empoderam”. Publicitários, com todo o carinho que merecem pela criatividade que tanto prezam, “performam” em nível de gozo quando “entregam” uma campanha capaz de produzir um “letramento digital” a ponto de “escalar” a um nível nunca antes atingido de compartilhamento, o que faz a mensagem “se proliferar” até o quinto dos infernos “empoderando” novos “players”.

Nada contra. Deus me livre desafiar o novo linguisticamente correto. Línguas não respeitam fronteiras nem pedem passaporte. Tudo se mistura. Mesmo assim, faz rir. Diante deste título, “Israel escalou a violência contra palestinos uma semana antes do ataque do Hamas”, imaginei a violência como uma escada dando acesso à Faixa de Gaza”. Sou muito literal. Quem não usa, fica para trás. Perde o trem da história. Não “performa” conforme a demanda do seu tempo. Não “entrega” o esperado pelo espírito da época. Não se “empodera”. Caminha para o “iletramento” social e para o isolamento existencial. Não “escala” o sucesso sonhado. E assim entregador faz “delivery”. Há dias em que os pedidos “escalam” e “se proliferam” obrigando-os a “performar” até ficar de língua de fora ou correr risco de um acidente.

Sites mostram a cada dia outras fórmulas interessantes: “agradecer ele”, “fulano aposentou no mês passado” e por aí vai. Mas vem também. O chamado mundo corporativo não vive sem “performar”, “entregar” e “escalar”. Um especialista me deu explicação que deixou tudo mais claro: é o novo mindset. Agora ficou mais simples. Minha mente ainda não foi reconfigurada.

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