Juremir Machado da Silva

O quarto estranho de Dalmon Galgut

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O quarto estranho de Dalmon Galgut Damon Galgut, autor de “A promessa” | Foto: David Parry/PA Wire

Meu amigo Leandro Minozzo me deu dois livros do sul-africano Damon Galgut. Gostei muito do primeiro, “A promessa”, e bem pouco do segundo, “Em um quarto estranho”. Galgut é o autor de “The good doctor”. Se não gostei, para que falar do livro? Bem, é uma mania. Ler e comentar. Faço parte de uma época em que jornalista tinha obrigação de criticar, o que significava avaliar, positiva ou negativamente. Alguns preferiam dizer que queriam ajudar a compreender uma obra, sugerindo caminhos de leitura. “Em um quarto estranho” é bem escrito, mas não me convence. Embora seja apresentado como romance, conta três histórias independentes, salvo pelo fio condutor, o próprio Damon em viagens errantes pela África e alhures.

O que tem de errado no livro? Nada. Salvo o fato de que as histórias não têm propriamente um enredo. Numa delas, o narrador conta o drama de uma amiga com sérios problemas mentais tentando se matar. Não basta? Poderia bastar. Só que não chega a deslanchar. Em todo o caso, aconselho a leitura. Quem sabe o leitor não me convence do contrário. Damon viaja tanto, meio sem norte nem objetivo claro, que chega a dar um cansaço. O autor força a sensação de desterro, extravio, incompletude. Parece cada vez melhor? Não duvido. Tem estranheza para dar e vender. Às vezes, eu me pergunto: o que estou fazendo? Continuo falando de livros como se o mundo não tivesse mudado. É bacana falar em livros. Mas quem realmente lê?

Estava vendo um vídeo do Eduardo Bueno, o Peninha, sobre o 8 de janeiro como “dia do patriota”, lei aprovada pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre, e pensei: nunca farei algo assim. Por que não? Falta de coragem? Medo de brigar com meio mundo? Falta de talento? Simplesmente por não ter essa pegada. Nem a de Galgut nem a do Peninha. Pertenço ao gênero dos sinuosos. Já entrei em muita polêmica, já bati forte, já caí. Sempre, porém, quase em diagonal. Meu amigo Jean Baudrillard, de resto, me aconselhou a nunca ser frontal, “transversal, transversal”, me sugeriu. Damon Galgut segue em linha reta nesse romance tripartite. Como vai direto ao ponto, espera-se que chegue em algum lugar. Não é exatamente o caso.

Onde pode um romance chegar? Não tenho a menor ideia. Quem sabe na satisfação de um leitor rabugento, que sempre espera uma grande surpresa, um desfecho fora da curva, não apenas o fim do relato. É bastante provável que eu esteja enganado, projetando expectativas indevidas. Afinal, ler o romance de Damon Galgut me propiciou bons momentos de distração ao sol. Se algo me faz bem ao sol está de bom tamanho. Mais do que isso, vale ouro. É o que mais gosto de fazer. Ler ao sol que banha o meu canto na casa. O resto é secundário: gols do Internacional, um filme na Netflix, um capítulo de novela, uma página de jornal, uma caminhada no parque. Não, esta última faz parte dos elementos essenciais na terceira idade. Enfim, Damon Galgut é bom autor, desses que não pretendem revolucionar a literatura nem inventar uma nova forma de narrar. Contenta-se em relatar.

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