Juremir Machado da Silva

80 anos depois, o que nos aproxima dos dinamarqueses e o que nos afasta dos nazistas?

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80 anos depois, o que nos aproxima dos dinamarqueses e o que nos afasta dos nazistas? Reprodução Facebook/Museu do Holocausto de Curitiba

Durante a Segunda Guerra Mundial, quando muitos se mostraram indiferentes à crueldade sem precedentes do Holocausto, um ato de coragem e altruísmo se destacou.

A população dinamarquesa, enfrentando a ocupação nazista, decidiu não apenas se opor às injustiças, mas também se erguer em prol de seus compatriotas judeus. Hoje, quando olhamos para o passado a partir das lentes do presente, encontramos não apenas uma lição inspiradora, mas também um desafio urgente.

Ao completar 80 anos do resgate dos judeus da Dinamarca, nos encontramos em um cenário complexo e incerto. Vemos discursos extremistas ganhando espaço, num ambiente pós-covid-19 marcado pela exposição de fragilidades e desigualdades entre nações. Se é verdade que a pandemia demonstrou o sucesso da evolução científica (o vírus foi identificado em duas semanas e as primeiras vacinas já circulavam um ano depois do início da peste), não podemos dizer que as relações humanas tiveram o mesmo êxito.

Apesar de exemplos de abnegação e empatia singulares, a crise evidenciou uma política falha – incapaz de articular globalmente ações eficazes contra o vírus, inimigo comum a todos. Pior: governos populistas transformaram o novo coronavírus em “cavalos de batalha”, inflando retóricas que tentaram desacreditar a ciência, alimentando o medo e a divisão entre grupos de pessoas. Como consequência, mortes que poderiam ter sido evitadas, acirramentos ideológicos e aumento exponencial de desabrigados e deslocados.

Sob essa perspectiva, aproximando ontem e hoje, é oportuno trazer à tona o alerta do historiador Yehuda Bauer, para quem o “que aconteceu (durante o Holocausto) pode acontecer novamente, com outras pessoas que não necessariamente sejam judeus, perpetrado por outros que não necessariamente sejam alemães. Todos nós somos possíveis vítimas, possíveis perpetradores, possíveis espectadores.”

É por isso que o feito dinamarquês nos chama a refletir sobre como podemos, em 2023, nos aproximar dos gestos de solidariedade de 1943 – fazendo disso algo permanente; tanto quanto o discurso de ódio, que viceja no ambiente virtual e também na fatigante vida real.

Salus Loch | Fotos: Divulgação

A resposta parece começar com o compromisso em cuidar de nossas populações, especialmente das minorias. Afinal, como destaca o sociólogo Zygmunt Bauman, o “Holocausto não foi simplesmente um problema judeu. Ele nasceu e foi executado em nossa sociedade moderna e racional, e por essa razão ele é problema dessa civilização e cultura.” Ou seja, é problema nosso. De todos nós!

É fundamental que encontremos, em conjunto, alternativas para garantir a sobrevivência dos mais vulneráveis diante das ameaças emergentes, sejam elas sociais, econômicas ou ambientais.

A verdadeira mudança só ocorrerá quando nos unirmos em prol de um futuro mais justo. É preciso trabalharmos nesta direção.

Devemos nos perguntar se estamos agindo em conjunto como nações e como indivíduos. Estamos dispostos a promover soluções que beneficiem a todos, em vez de priorizar interesses pessoais? Sinceramente, como a covid-19 demonstrou, tenho minhas dúvidas, e estou inclinado para responder negativamente a tal questionamento.

Mas, nem por isso, devemos “largar a batalha” – até porque a solidariedade dinamarquesa nos ensina que abandonar o “cada um por si” é imperioso.

A história nos alerta sobre o perigo da passividade frente à xenofobia, o racismo, o ultranacionalismo e o populismo.

Nosso objetivo deve ser construir uma sociedade que educa e respeita as diferenças, além de dar condições e proteção aos mais frágeis, sem deixá-los para trás, independente da origem ou de crenças.

Oitenta anos depois, devemos encontrar inspiração naqueles que se ergueram contra a intolerância. Precisamos buscar uma maior aproximação com o ideal dinamarquês, enquanto nos afastamos da mentalidade maniqueísta que marcou o passado e ameaça o futuro. Não podemos nos permitir repetir os erros que separaram os nazistas e simpatizantes dos heróis da Dinamarca.

Somos, mais uma vez, desafiados a agir em união, a estender as mãos, construir pontes em vez de muros e a nos lembrar de que a humanidade compartilha um destino coletivo. Assim, honraremos o legado daqueles que vieram antes de nós e construiremos um amanhã que espelha a autêntica essência da solidariedade e da compaixão, no Brasil, na Dinamarca ou em qualquer país do mundo.

Acesse aqui o arquivo completo do material produzido pelo Museu do Holocausto de Curitiba, em parceria com o Museu Judaico Dinamarquês.


Salus Loch é jornalista, escritor e integrante do departamento de Comunicação do Museu do Holocausto de Curitiba. Responsável pela Casa da Memória Unimed Federação/RS.

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