Passeio em Arles
Quando se está em Montpellier, no sul da França, alguns passeios, havendo dia de folga, são obrigatórios: Avignon, Nimes, Carcassone, Ponte do Gard, Saint-Guilhem-le-désert, Aigues Mortes, Arles e até Marselha.
Já fizemos tudo isso várias vezes. Nunca é demais repetir ao menos a visita a alguma dessas localidades maravilhosas. Desta vez, decidimos ir a Arles, onde Van Gogh passou uma temporada e pintou algumas obras-primas.
Fomos de trem, passando por Nimes e Avignon.
Ganha-se em todos sentidos: belas paisagens, vilarejos bucólicos, transporte ferroviário de qualidade, viagem no tempo, em direção ao império romano, com paradas na Idade Média e súbitos saltos para frente.
Arles continua uma deliciosa mescla de povoado e de cidade em crescimento. Os vestígios romanos, com a imponente Arena, onde gladiadores se enfrentavam, e o Teatro Antigo são impressionantes.
Em muitos lugares, são as marcas invisíveis de Van Gogh que contam: Praça do Fórum, rua Mireille, Praça Lamartine. A luz e as cores de outono parecem especiais. A gente começa a sentir a atmosfera que encantou o pintor.
Na Fundação Van Gogh cinco telas do artista bebem a atenção de cada um.
São poucas, mas belas e exalam um ar de intensa busca pelo novo.
Franceses adoram aproximar o antigo e o novo. Se Arles encanta pela sua atmosfera de outro tempo, um tempo tornado eterno por suas mitologias, o Museu Luma, de arte contemporânea, é um desbunde absoluto.
Ao final de um dia de outono o cair da tarde na estação de trens exprime certa melancolia estranha, entre nostalgia do recém-vivido e saudades do futuro, como se um leve deslocamento de ar provocasse um terremoto na sensibilidade, caso o leitor esteja disposto a aceitar imagens desmesuradas para falar de um simples passeio a um lugar especial, embora cada vez mais turístico e urbanizado.
Uma teoria do interstício, esse espaço entre duas realidades muito concretas, talvez garanta um lugar para margens internas na história da percepção volátil: andar, olhar, encantar-se e capturar a imagem fugidia, porém, permanente, de um povoado à beira dos trilhos ao cair da noite.
De uma jornada flanando fica a imagem das janelas azuis sob o céu nublado, que um dia foi visto por um gênio como uma fogueira de estrelas.
Arles é um convite ao devaneio.