Juremir Machado da Silva

Ray Bradbury e a sensibilidade das minorias

Change Size Text
Ray Bradbury e a sensibilidade das minorias Livro de Ray Bradbury foi lançado há 70 anos | Reprodução

Fahrenheit 451, livro mais famoso de Ray Bradbury, foi publicado em 1953. O capitão Beatty, exterminador de livros, explicava a Montag, que subitamente estava cheio de dúvidas e pronto a se rebelar contra a ordem social vigiada por bombeiros incendiários:

— Agora tomemos as minorias de nossa civilização, certo? Quanto maior a população, mais minorias. Não pise no pé dos amigos dos cães, dos amigos dos gatos, dos médicos, advogados, comerciantes, patrões, mórmons, batistas, unitaristas, chineses de segunda geração, suecos, italianos, alemães, texanos, gente do Brooklyn, irlandeses, imigrantes do Oregon ou do México. Os personagens desse livro, dessa peça, desse seriado de tevê não pretendem representar pintores, cartógrafos, engenheiros reais. Lembre-se, Montag, quanto maior seu mercado, menos você controla a controvérsia! Todas as menores das menores minorias querem ver seus próprios umbigos, bem limpos. Autores cheios de maus pensamentos, tranquem suas máquinas de escrever! Eles o fizeram. As revistas se tornaram uma mistura insossa. Os livros, assim diziam os malditos críticos esnobes, eram água de louça suja. Não admira que parassem de ser vendidos, disseram os críticos. Mas o público, sabendo o que queria, com a cabeça no ar, deixou que as histórias em quadrinhos sobrevivessem. E as revistas de sexo em 3-D, é claro. Aí está, Montag. A coisa não veio do governo. Não houve nenhum decreto, nenhuma declaração, nenhuma censura como ponto de partida. Não! A tecnologia, a exploração das massas e a pressão das minorias realizaram a façanha, graças a Deus. Hoje, graças a elas, você pode ficar o tempo todo feliz, você pode ler os quadrinhos, as boas e velhas confissões ou os periódicos profissionais.

Em outro trecho, lê-se: Montag lia nos lábios de Mildred o que ela estava dizendo à porta. Tentou não olhar para sua boca, receando que Beatty pudesse se virar e também entender o que ela dizia.

— Os negros não gostam de Little Black Sambo. Queime-o. Os brancos não se sentem bem em relação à Cabana do Pai Tomás. Queime-o. Alguém escreveu um livro sobre o fumo e o câncer de pulmão? As pessoas que fumam lamentam? Queimemos o livro.

Faber, um amante dos livros, não vai por caminho muito diferente: “O próprio público deixou de ler por decisão própria”.

Por fim, o próprio escritor sustenta: “O sentido é óbvio. Existe mais de uma maneira de queimar um livro. E o mundo está cheio de pessoas carregando fósforos acesos. Cada minoria, seja ela batista, unitarista; irlandesa, italiana, octogenária, zen-budista; sionista, adventista-do-sétimo-dia; feminista, republicana; homossexual, do evangelho-quadrangular, acha que tem a vontade, o direito e o dever de esparramar o querosene e acender o pavio. Cada editor estúpido que se considera fonte de toda literatura insossa, como um mingau sem gosto, lustra sua guilhotina e mira a nuca de qualquer autor que ouse falar mais alto que um sussurro ou escrever mais que uma rima de jardim de infância”.

Bradbury antecipou a era dos cancelamentos?

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.