Juremir Machado da Silva

Resistência francesa

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Resistência francesa "Franceses não querem perder direitos como o de ter bons anos de vida depois do trabalho" | Foto: Anthony Choren/Unsplash

Depois que, sem votos para vencer no parlamento, o presidente francês Emmanuel Macron decidiu impor a reforma da previdência, cuja idade de aposentadoria passa gradativamente de 62 para 64 anos, por decreto, milhões de franceses tomam as ruas, fecham universidades e recusam-se a aceitar a medida. Lojas de luxo, como uma da Louis Vuitton, já enfrentam ataques. O que vai acontecer? O que pensam intelectuais franceses. Michel Maffesoli vem de publicar dois livros que parecem feitos sob medida para a ocasião: Lógica do assentimento e A era dos levantes. O diagnóstico para ele é claro: multidões se levantam contra o sistema em função do fracasso das elites dirigentes, de esquerda ou de direita, incapazes de compreender o cotidiano.

Philippe Joron, professor da Universidade de Paul Valéry, Montpellier III, em visita ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, não escapou do assunto. Para ele, dificilmente as manifestações cessarão sem recuo do governo francês. É uma questão de princípio. Franceses não querem perder direitos como o de ter bons anos de vida depois do trabalho. A perda de popularidade de Macron poderá abrir caminho para que na próxima eleição presidencial a extrema direita de Marine Le Pen e a esquerda de Jean-Luc Mélenchon disputem o trono. O Partido Socialista continua nas cordas. A esperança é que o sindicalista Laurent Berger (CFDT) aceite se tornar uma opção de centro esquerda em 2027.

Já o sociólogo Dominique Wolton, diretor da revista Hermès, é cáustico. Para ele, Emmanuel Macron está liquidado e poderá, sob pressão das ruas, até mesmo não terminar o mandato. Wolton esperava que o Conselho Constitucional considerasse ilegal a reforma das aposentadorias. Mas a corte aprovou boa parte da lei. Wolton vê Macron totalmente perdido, rígido, envelhecido, distante da realidade social, trancado no seu palácio, insensível ao clamor popular. Segundo ele, os franceses são, ao mesmo tempo, conservadores e radicais. A perda de direitos por decreto deixa-os furiosos. A raiva aparece na violência que cresce nas manifestações de rua. Por outro lado, Wolton não crê que Marine Le Pen possa colher os frutos dessa indignação. Ele está convencido de que surgirá um nome de centro para recolher os pedaços de uma administração desastrosa. O tempo dirá. Falta muito para 2027.

A França dá aula de resistência contra arranjos políticos vindos de cima. Por mais que para um brasileiro até pareça razoável passar de 62 para 64 anos, num país com expectativa de vida nos 83 anos, os franceses não cedem. A vida, insistem, não é só trabalho. Um vídeo de Mélenchon corre mundo. Nele, o líder de esquerda louva o tempo para o ócio e até para a poesia. O culto neoliberal do cumprimento de metas e do produtivismo desvairado não cola num país de tradição de mobilização social e que vê o Estado como um condomínio a serviço da sociedade.

Continua...

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