Juremir Machado da Silva

Visões sobre a guerra da Ucrânia

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Visões sobre a guerra da Ucrânia Protesto em Lyon, França (Foto: ev / Unsplash)

Como já contei aqui, estive em Paris onde participei da reunião do Conselho Editorial da revista Hermès, dirigida pelo sociólogo Dominique Wolton, vinculado ao prestigioso Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS). Sessenta intelectuais, sendo 25 não franceses, das mais variadas partes do mundo passaram um dia inteiro debatendo temas da atualidade, que integram dossiês publicados pela revista. A Guerra da Ucrânia foi um dos assuntos mais fortes. Ouvimos o depoimento do russo Ilia Keriya, radicado na França desde abril, com quem conversei depois do evento para conhecer melhor a sua posição sobre o conflito em curso.

A maioria dos presentes tem inclinações à esquerda, a começar pelo anfitrião, o bastante conhecido Dominique Wolton. Ninguém defendeu Vladimir Putin. Não houve uma só palavra de apoio à ação russa. Não passou pela cabeça de um só professor ali presente considerar falta de conhecimento de geopolítica defender a Ucrânia. O aliado de Putin na França é a direita radical. Keriya, como escrevi aqui, considera que Putin invadiu a Ucrânia para, tendo um inimigo externo, poder silenciar seus opositores internos. As teses sobre desnazificação da Ucrânia e apoio aos russos de Donbass, que estariam sendo massacrados, são consideradas risíveis. O olhar da esquerda latino-americana sobre a guerra da Ucrânia é visto como puro antiamericanismo calcificado.

Slavoj Zizek, uma das estrelas internacionais da esquerda, que não estava em nosso encontro, mas poderia estar, continua definindo Putin como invasor, autocrata e até terrorista. Em fevereiro deste ano, ele escreveu sobre a luta pelo lugar de Putin: “Os atores-chave não são partidos políticos organizados, mas gangues de oligarcas que presidem vários núcleos informais de poder. Isso explica por que a força militar mais eficaz da Rússia na linha de frente na Ucrânia, o mercenário Grupo Wagner, nem faz parte do exército russo”. Era o prenúncio do que viria.

Zizek ainda esclareceu: “A Rússia é agora uma terra de senhores da guerra, algo que geralmente se associa a estados desonestos e falidos. Seus líderes atuais e aspirantes estão traficando em sonhos febris de glória no campo de batalha. Implícita nessa cultura marcial está uma visão hobbesiana da vida como solitária, pobre, sórdida, brutal e curta – e cada vez mais barata”. Antes adorado pela esquerda mundial, Zizek agora está cancelado como “idiota útil ao neoliberalismo e ao atlantismo”.

Que visões de mundo diferentes tenham leituras diferentes de uma guerra, é obvio. Mas que a esquerda, por exemplo, a brasileira, situe a questão em termos de conhecimento ou desconhecimento é chocante. Wolton sugere que a esquerda considere não só o imperialismo americano, mas também o imperialismo russo. A Europa tem coisas estranhas, até uma esquerda não marxista, algo difícil no Brasil, na qual eu poderia me encaixar facilmente. O apoio a Putin por antiamericanismo é algo duro de engolir. Talvez por isso eu nunca tenha sido, ainda que pensem o contrário, de esquerda (marxista) na vida. Sempre fui um anarquista. Hoje, sou um socialdemocrata. Não abro mão da democracia representativa.

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