Matérias | Matinal

Médico importou 100 vezes mais comprimidos do que o número de pacientes aprovados para testes com proxalutamida

Change Size Text
Médico importou 100 vezes mais comprimidos do que o número de pacientes aprovados para testes com proxalutamida O deputado federal Henrique Fontana (PT) comandou a audiência pública que tratou sobre a proxalutamida na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados (Foto: Paulo Sérgio / Câmara dos Deputados)

Para Anvisa, “dados são chocantes”. Informação foi revelada nesta quinta-feira na Câmara de Deputados durante audiência pública que discutiu o experimento irregular feito no Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre

A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados realizou, nesta quinta-feira, uma audiência pública para discutir a realização de testes com proxalutamida em pacientes com covid-19 sem autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), caso revelado pelo Matinal em agosto. Na sessão, Daniela Marreco Cerqueira, representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apresentou um relatório que revela que pelo menos 58.904 comprimidos, entre proxalutamida e placebo, foram importados para o Brasil durante a pandemia. A quantidade, que entrou no País em 27 remessas solicitadas pelo médico Flávio Cadegiani, não é compatível com os 554 pacientes com participação aprovada nos dois estudos com o medicamento realizados de forma regular, ambos em Brasília.

“Os dados são chocantes. O quantitativo importado em nome do senhor Flávio Cadegiani é muito superior ao previsto para utilização nos pareceres aprovados pela Conep”, declarou Cerqueira, diretora-adjunta da 5ª diretoria da Anvisa, durante a audiência virtual realizada pela Câmara, que teve também participação de Jorge Venâncio, coordenador da Conep, e Pedro Nakamura, jornalista responsável pela reportagem que denunciou o caso gaúcho.

O número entra na lista de indícios de irregularidades envolvendo a importação e o uso da proxalutamida no Brasil. Desde o início da pandemia, os estudos aprovados para Brasília foram replicados irregularmente em hospitais do Amazonas, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Em sua clínica particular no Distrito Federal, Cadegiani chegava a ministrar doses de 600mg de proxalutamida, quantidade nunca antes registrada desse medicamento.

“Defino o que aconteceu como um experimento que utilizou seres humanos como cobaias sem conhecimento”, disse o deputado Henrique Fontana (PT-RS), que solicitou e presidiu a audiência. Cadegiani foi convidado a prestar esclarecimentos, mas não compareceu à sessão. Também não atenderam o convite os médicos Christiano Perin, que admitiu ter receitado proxalutamida para seus pacientes no Hospital da Brigada Militar, Artur Arregui Zilio, diretor da instituição, e Ricardo Zimerman, que também esteve à frente do experimento.

“Nunca vimos nada parecido”, diz representante da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

No mês passado, o relatório apresentado pela CPI da Pandemia recomendou o indiciamento de Flávio Cadegiani por crime contra a humanidade. “Há fortes indícios de violação de direitos humanos dos participantes desse estudo pelo Dr. Flávio Adsuara Cadegiani, com a indevida utilização de proxalutamida, fármaco cujo uso também era defendido pelo presidente Bolsonaro”, diz o relatório. Para o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), as pesquisas com o remédio indicam “que seres humanos foram utilizados como cobaias”. Nos estudos realizados no Amazonas, Cadegiani relatou ao Conep 200 mortes, número considerado “extremamente grave”.

“Nosso problema não é fundamentalmente com a substância, mas com o fato de ter sido aprovada uma coisa e terem sido feitas muitas outras coisas completamente diferentes”, disse Jorge Venâncio, coordenador da Conep, órgão ligado ao Conselho Nacional de Medicina, durante a audiência na Câmara.

Venâncio listou uma série de irregularidades técnicas e de prestação de contas durante a pesquisa e ressaltou o número de mortes no Amazonas relatado por Cadegiani. “O pesquisador relatou 200 óbitos, algo inédito. Nunca vimos nada parecido. Duzentos óbitos em 40 dias nos parece algo extremamente grave, que precisa de uma apuração rigorosa”, disse.

O repórter Pedro Nakamura, que denunciou o caso do Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre, destacou a importância da movimentação das instituições no debate sobre o assunto e lamentou a ausência de informações sobre o estudo na capital gaúcha: “Ainda há várias incertezas a respeito do uso do medicamento. Até o momento a Brigada Militar tem se negado a responder a maior parte das dúvidas, algo importante para estabelecermos o número de mortes em Porto Alegre, que até hoje a gente não sabe”.

Participaram ainda da audiência os deputados federais Alexandre Padilha (PT), que descreveu o caso como “talvez o maior escândalo ético e científico da história da medicina brasileira”, Jandira Feghali (PCdoB) e Roberto de Lucena (Podemos), que defendeu o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.