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Em busca do tratamento da Covid-19

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Em busca do tratamento da Covid-19

À medida que a pandemia causada pelo novo coronavírus avança, naturalmente crescem as expectativas por tratamentos. Nas últimas semanas, grande parte das atenções e esperanças se voltaram para a hidroxicloroquina, um imunossupressor. Tudo começou com um estudo francês, segundo o qual a administração deste remédio aumentava significativamente a taxa de cura.

Contudo, enquanto a hidroxicloroquina explodia em popularidade com as apostas de Donald Trump e de Jair Bolsonaro, a comunidade científica levantava sérias dúvidas quanto à qualidade do estudo francês. Não nos enganemos: realizar estudos sobre eficácia, efetividade e segurança de fármacos é um desafio exigente e permanente. Há uma série de procedimentos, como escolha dos pacientes e acompanhamento da evolução clínica, que precisam ser seguidos para que possamos confiar nos resultados.

Infelizmente, muitos desses passos não foram adequadamente tomados no estudo francês. Uma ótima análise destes problemas está disponível no blog Medicina baseada em evidências, do cardiologista Luis Correia. Isso não nos diz que a hidroxicloroquina não é útil no tratamento da Covid-19: simplesmente não diz que ela seja útil. Uma ótima reflexão sobre como interpretar um resultado desde tipo você também encontra no blog farmacoLÓGICA, em artigo assinado pela biomédica Ana Paula Herrmann.

No final da semana passada, a Anvisa liberou e orientou a administração da hidroxicloquina para casos graves da Covid-19, mas a notícia deve ser interpretada com prudência. Em situações críticas, quando o risco de morte é significativo e as opções terapêuticas se encontram próximas do esgotamento, flexibiliza-se o uso de fármacos alternativos ou menos consolidados. Isso é radicalmente diferente de liberar um medicamento pra casos amenos ou moderados de qualquer patologia.

Assim, até que novos estudos confiáveis e rigorosos sejam feitos, a hidroxicloroquina não é indicada como tratamento seguro para a Covid-19. Um exemplo disso são as últimas orientações de manejo publicadas pelo Journal of the American Medical Association. Os autores deste guideline ressaltam que não há “evidências suficientes” sobre o uso da hidroxicloroquina (bem como de outros fármacos), razão pela qual seu uso é desencorajado. Há estudos em curso no Brasil.

A lógica do tratamento por trás da hidroxicloroquina é o entendimento de que parte do dano causado pelo SARS-CoV-2 vem da resposta imunológica do nosso próprio corpo que, ao ser infectado, apresenta reações como aumento da atividade inflamatória e proliferação de células de defesa. Esses reflexos acabam por prejudicar os órgãos do paciente. A hidroxicloroquina, que é um imunossupressor, atenuaria justamente essa resposta excessiva do nosso organismo. Dessa forma, seria possível controlar os quadros mais graves, dando maior chance de recuperação ao organismo.

Antivirais

Um caminho diferente envolveria um ataque direto ao organismo invasor. Essa é a classe dos antivirais: são remédios que, em essência, atrapalham a replicação do vírus nas células invadidas. Uma vez que o vírus não consegue se multiplicar, ele acaba aniquilado. Infelizmente, porém, até agora não houve muito sucesso envolvendo o uso de antivirais para tratar a Covid-19.

Um dos primeiros grandes esforços neste sentido foi feito no hospital chinês de Jin Yin-Tan, em Wuhan, epicentro da pandemia. No estudo, publicado no New England Journal of Medicine, os pesquisadores testaram a administração de uma terapia antiviral dupla (lopinavir com ritonavir) em pacientes internados. Noventa e nove pacientes foram tratados com estes antivirais mais o tratamento convencional, ao passo que cem pacientes receberam apenas o tratamento convencional (como suporte ventilatório e oxigenoterapia). Não houve diferença clínica relevante: as taxas de mortalidade foram similares e os antivirais reduziram, em média, em um dia o tempo de permanência na CTI.

Outro antiviral que está sendo sondado é o remdesivir. Este fármaco foi descoberto durante a epidemia de ebola em 2014, e se tornou um candidato para o tratamento da Covid-19 devido a semelhanças entre os dois vírus. Tanto o ebola quanto o SARS-CoV-2 são vírus cujo material genético se estrutura na forma de RNA, e o remdesivir atua prejudicando a síntese e replicação destas cadeias de nucleotídeos do vírus. De fato, o remdesivir já foi estudado para a primeira SARS e também para a MERS. No momento, há relato de ao menos cinco estudos sobre o remdesivir contra a Covid-19. Estes estão em fase III, isto é: estão sendo testados em grandes grupos de pessoas, em diferentes países, comparando efeitos em relação a pacientes que estão sob outro regime de tratamento, geralmente mais tradicional e bem conhecido.

Anticorpos

Uma terceira via de enfrentamento da Covid-19 são os anticorpos. Aqui, porém, o terreno é ainda mais pantanoso. Anticorpos são proteínas geradas pelo sistema imune adaptativo após uma resposta bem sucedida a uma infecção, e têm por função auxiliar os outros componentes do sistema imune a lidar adequadamente com os organismos invasores. Ainda não se conhece suficientemente como funciona o sistema imune ante o SARS-CoV-2, mas há indícios de que anticorpos são produzidos.

É com base nisso que se acredita ser possível utilizar anticorpos de um paciente que teve e superou a Covid-19 para tratar pacientes que ainda estejam lutando contra a doença. Há poucos dias, um hospital de Nova York iniciou um estudo nesse sentido. Também há tentativas em curso em Madri. O método deste tratamento consiste em coletar sangue de indivíduos que superaram a Covid-19 e, dele, extrair anticorpos.

Todavia, esse é um método que não funciona para todas as infecções virais. Há bons resultados envolvendo casos de ebola, H1N1 e até mesmo de SARS e MERS, mas este não é, ainda, um tratamento aplicável em larga escala, pois costuma ser mais custoso e trabalhoso.


*Felipe é jornalista e estudante de Medicina na UFRGS

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