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“Governo quer tornar a Agergs uma agência regulatória de mentirinha”

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“Governo quer tornar a Agergs uma agência regulatória de mentirinha” Senna pediu para deixar Agergs em abril | Foto: Palácio Piratini / Divulgação

Presidente da Associação dos Servidores Efetivos da Agergs, Sérgio González faz críticas ao Piratini após saída de Luiz Afonso Senna da agência reguladora

Em 19 de abril, o engenheiro Luiz Afonso Senna pediu demissão do cargo de presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul, função que ocupava desde 2020. Em sua saída, ele publicou uma carta na qual citou a desvalorização do órgão e criticou o que considerou um ataque à autonomia da Agergs, por meio da insistência do governo estadual em subordinar a diretoria jurídica da agência à Procuradoria-Geral do Estado.

Criada em 1997 e com autonomia financeira, funcional e administrativa, a Agergs atua em áreas como saneamento, energia elétrica, polos de concessões rodoviárias, hidrovias, transportes intermunicipais de passageiros e estações rodoviárias. Suas atribuições, dentre outras, são garantir a harmonia de interesses de usuários e concessionários ou permissionários. Também é sua atribuição fixar e homologar tarifas que a população terá de pagar aos prestadores de serviços terceirizados.

Em entrevista ao Matinal, o presidente da Associação dos Servidores Efetivos da Agergs (Assegergs), Sérgio González, comentou a saída de Senna, respaldando os argumentos apresentados pelo ex-presidente do órgão e manifestando preocupação com a situação – inédita, conforme ele.

Leia a entrevista

Matinal – Os argumentos da renúncia de Luiz Afonso Senna da Diretoria da Agergs são compartilhados pela Assegergs?
Sergio González – Sim, tranquilamente. Os motivos apontados pelo ex-presidente na sua carta de renúncia constituem fatos, movimentos e interpretações verdadeiros que vieram a debilitar a regulação e a Agergs. Além de apontar para a tentativa de intromissão da PGE – um órgão de assessoramento jurídico do governador – nos processos regulatórios, o arrependimento da decisão inicialmente favorável pela concessão de um reajuste nos vencimentos dos conselheiros da Agência e nos valores remuneratórios de cargos de chefia durante a sessão de votação do Projeto de Lei nº 249/2022 na Assembleia Legislativa e a insuficiência de servidores para o cumprimento de atribuições, eu também mencionaria a triste decisão de retirar quase toda a nossa atividade de regulação econômica na área do transporte intermunicipal coletivo de passageiros, substituindo-a pela ação da Metroplan e do Daer. O que aconteceu? Através da Lei Estadual 15.680/2021 – cujo projeto de lei foi de iniciativa do Poder Executivo –, o cálculo tarifário das passagens de ônibus deixou de ser feito pela Agergs, apesar de uma longa experiência de mais de 20 anos. Hoje, a Agergs se envolve restritivamente com a homologação das tarifas calculadas pelos dois órgãos do governo, verificando se os valores estão corretos ou não. Logo, é perceptível o interesse do governo em aumentar seu poder de influência sobre as matérias técnicas da Agergs.

Matinal – Qual é o tamanho da preocupação com a renúncia dele na Agergs?
González – Enorme, pois se trata de um caso inédito – um conselheiro indicado pelo próprio governador renunciar não só ao seu cargo de presidente, como também ao seu mandato – e com a exposição de críticas diretas. Os motivos declarados já eram de conhecimento dos servidores, mas a denúncia feita pelo ex-presidente sugere que estão sendo preparadas novas iniciativas que prejudicarão a atuação da Agergs. Não sabemos quais sejam, até porque o governador não enxerga a Agência como um ente autônomo, conforme a legislação lhe assegura. Não há um diálogo institucional conosco e nem com a Agergs. As reuniões, quando existem, não levam a soluções de comum acordo, se tratam de comunicações sobre decisões já tomadas. Nós, servidores, tememos que o Governo, dentro de seu falacioso discurso de “fortalecimento da Agência”, venha a alterar a composição do Conselho Superior, retirando a única vaga oriunda da livre escolha do corpo funcional.

Matinal – Após a renúncia, houve alguma alteração no diálogo com o Governo do Estado? A expectativa é de que a saída do Senna sirva de alerta para esta mudança ou há temor de uma piora na situação?
González – Consideramos que ainda é um pouco cedo para perceber alguma mudança, mas as crises ajudam as pessoas a refletir melhor, reavaliar procedimentos e conceitos e rever ações. Acredito que o Governo esteja agora priorizando seus esforços em torno das alterações que querem implantar no IPE Saúde. Logo, penso que vai demorar um pouco mais para vermos se esta crise na Agergs virá a ser realmente resolvida. O gesto corajoso do Senna foi na direção de realmente sacudir o Governo e chamar a atenção da opinião pública sobre os desmandos do Governo na área da regulação. A Assegergs está acompanhando atentamente a evolução dos fatos desde então e verifica que a própria Assembleia Legislativa está começando a se interessar pelo assunto via Comissões Permanentes. É importante destacar que grande parte do problema está relacionado com a perda de poder aquisitivo dos salários do funcionalismo estadual em geral e da Agergs em particular: são 142% de defasagem salarial e uma contínua evasão de servidores concursados rumo a outros órgãos estatais com melhor remuneração. Logo, o governador terá que encarar de frente esta questão se quiser realmente fortalecer a Agergs.

Matinal – Qual é o risco para a sociedade da Agergs acabar subordinada ao Governo, conforme a carta do Senna?
González – Em primeiro lugar, é tornar a Agergs uma agência regulatória de mentirinha, aquela que só existe para justificar a captação de um empréstimo internacional que exige a presença de atividade regulatória em projetos de concessão de serviço público como contrapartida. A regulação dissociada de autonomia significa o rompimento do princípio do equilíbrio de interesses entre as três partes envolvidas no processo regulatório (Governo, concessionárias e usuários) e a equidistância da Agência. Com a superposição do Governo neste tripé, perde-se a garantia de segurança jurídica nos contratos de concessão e a autonomia técnica e administrativa. Nem se fala de autonomia financeira, já que nunca tivemos. As decisões de curto prazo e de ocasião ganham força, o que gera constrangimento às atividades de fiscalização sobre a qualidade dos serviços concedidos e o desalinhamento entre tarifas e a justa remuneração dos investimentos. A relação custo-benefício dos serviços concedidos tende a piorar muito. Assim, se observará uma deterioração no grau de legitimação social em relação às políticas de restrição à atividade estatal, mediante privatizações, concessões, parcerias-público-privadas, terceirizações, etc.

Matinal – Houve um não preenchimento de vagas disponibilizadas pelo Piratini na Agergs? Qual o tamanho do quadro de servidores da agência atual e o quanto seria necessário?
González – Das 19 vagas autorizadas pelo Governo, somente 12 foram preenchidas. Temos 66 cargos de nível superior e 30 cargos de nível médio. Pelos dados da própria Agergs de março deste ano, temos 13 cargos vagos de nível superior e dez cargos vagos de nível médio. Assim, quase um quarto dos cargos não estão preenchidos. Isto prova que não basta fazer concursos em tempos de arrocho salarial, pois as condições de atratividade ao emprego são baixas e predomina uma grande rotatividade de trabalhadores. Formar mão-de-obra qualificada, exigida na atividade regulatória, demanda um longo prazo. É preciso sair desta triste situação!

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