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Ciência, tecnologia e gênero

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Ciência, tecnologia e gênero Atila Iamarino ficou famoso na pandemia por combater a desinformação | Foto: Carlos Macedo / BrazilJS Conf

Um dos nomes que ficou mais conhecido no Brasil durante a pandemia foi do biólogo Atila Iamarino. Enquanto o então presidente Jair Bolsonaro espalhava mentiras e boatos na mesma velocidade do coronavírus, Átila fazia o trabalho fundamental de divulgar informações corretas – que naquele momento podiam salvar vidas literalmente.

A pandemia passou – e deixou 711 mil pessoas mortas no país. O coronavírus segue circulando, mas graças à vacina, já não assusta como antes. E para a surpresa dos negacionistas, ninguém virou jacaré.

Bem longe da tragédia que vivemos nos anos pandêmicos, a dengue é hoje o grande motivo de alerta sanitário. Neste ano, 1.792 óbitos já foram confirmados no país, além de 2.216 mortes em investigação; no Rio Grande do Sul, ultrapassamos a marca dos 100 mortos de janeiro até agora. Felizmente, nosso estado vai passar a receber as vacinas pelo SUS. 

Enquanto isso, Atila Iamarino segue com seu trabalho de defesa da vacinação e da divulgação científica. Na manhã de ontem, o pesquisador esteve em Porto Alegre falando para um público majoritariamente de desenvolvedores. Mas que raios seu trabalho tem a ver com programação? 

Na fala que abriu a 13ª edição da BrazilJS Conf, a maior conferência de JavaScript do mundo, segundo a organização, Atila traçou paralelos entre a evolução da vida e das tecnologias. Mas mais do que o conteúdo da sua palestra, o que me chamou a atenção foi o simbolismo da escolha de um cientista que combate a desinformação para abrir um evento desse perfil.

A última edição presencial da conferência tinha sido em 2019, pré-pandemia portanto. Jaydson Gomes, um dos idealizadores e organizadores da BrazilJS Conf, me disse que o nome de Atila surgiu para expandir o tipo de conteúdo no palco do evento sem deixar de conectar com o tema da tecnologia. 

Mas não é de hoje que a BrazilJS Conf tem preocupações que vão além do conteúdo. Antes mesmo da pandemia, o nome de Atila havia sido cogitado. Cocriador do ScienceBlogs Brasil, braço em português da maior rede de blogs científicos do mundo e do Nerdologia, um canal de divulgação científica no YouTube, ele já circulava entre a turma geek. Mas ganhou muito mais expressão durante a crise sanitária, e hoje seu canal tem mais de 1,6 milhão de inscritos. “Tem uma questão de posicionamento nosso, que a gente sempre teve na BrazilJS. O fato de ter o Atila já dá o tom do evento. Escolhemos trazer um cientista para falar, alguém que sempre se posicionou e ajudou muita gente no período da pandemia”, explica Gomes.

Em um universo historicamente dominado por homens brancos, as questões de gênero e raça têm sido consideradas pela organização. Ainda que um homem tenha aberto a conferência, metade da lista de palestrantes é composta por mulheres. Mas não foi sempre assim. Segundo Gomes, no início, não havia preocupação em prezar pela diversidade. “A gente acabava replicando um discurso que ainda se ouve de que ‘não tem tanta mulher porque não tem tanta mulher com conteúdo legal’. Isso é mentira. Se tu quiser, tu encontra”, disse.

África Flores é cientista física da Nasa | Foto: Divulgação

Um desses nomes de currículo impressionante se apresenta hoje à tarde, no Araújo Vianna, fechando o evento. Cientista física da Nasa, a guatemalteca Africa Flores-Anderson vai falar sobre a “idade de ouro” das observações da Terra a partir da sua experiência no processamento e análise de observações de satélite para monitoramento de florestas. Em 2020, foi reconhecida como Geospatial Woman Champion of the Year pelo seu trabalho na utilização e divulgação de dados de observação da Terra para melhorar a capacidade dos países em gerir os seus recursos naturais. Como ela mesma destacou na descrição da sua palestra, tudo isso “para o benefício da sociedade”. 

“A presença dela inspira e mostra que tem muita gente que não conhecemos fazendo coisas incríveis”, destaca Felipe Nascimento, também cofundador da BrazilJS. Ele conta que  a intenção de promover um evento plural também reflete no público, que vem se tornando mais diverso a partir de um esforço da organização por meio de programas sociais. “O perfil do público mudou. No início, era muito mais masculino, como sempre foi o universo da tecnologia. Mulheres às vezes saem da área por causa disso, mas a gente quer mostrar que elas são bem-vindas, que são parte importante dessa comunidade e inclusive podem subir ao palco.”


Marcela Donini é editora-chefe da Matinal.
Contato: [email protected]

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