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Por que cobrimos o Fórum da Liberdade

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Por que cobrimos o Fórum da Liberdade Painel da edição 2023 | Foto: Matheus Beck/Matinal Jornalismo

Quando Jair Bolsonaro foi para o segundo turno em 2018, muita gente ficou surpresa. O ex-capitão cresceu como figura relevante na política numa onda, paradoxalmente, antipolítica, já que ele próprio fazia parte do sistema havia quase três décadas como deputado federal. 

Quem já acompanhava os movimentos da extrema direita no país não se surpreendeu com a vitória de Bolsonaro, que surfou ainda na maré da desinformação das redes sociais, usada como estratégia para chegar diretamente ao eleitor em uma campanha que já não dependia mais de tempo de TV. 

A antropóloga Rosana Pinheiro-Machado era uma dessas pesquisadoras que alertava para a possibilidade de Bolsonaro se tornar presidente do Brasil. E é ela quem reafirma hoje: Bolsonaro perdeu as eleições de 2022 para Lula, mas o bolsonarismo, fenômeno que aglutinou a extrema direita no Brasil, está muito longe de acabar.

Depois da tragédia que foi a gestão Bolsonaro nas mais variadas áreas, muita gente que o apoiou tenta se distanciar do seu nome, mas mantém vivas as mesmas pautas do ex-capitão. Muitas dessas pessoas estiveram reunidas em Porto Alegre na semana passada, quando a cidade foi palco do Fórum da Liberdade. 

Fomos questionados por leitores sobre por que cobrimos o evento, realizado há 35 anos na capital. Na primeira reportagem que publicamos, mostramos como o FL se tornou um espaço que, apesar de se apresentar como um lugar para pluralidade de ideias, acabou se tornando um fórum “ultraliberal no discurso econômico, mas conservador e até reacionário nas pautas de caráter moral”, como definiu o doutor em História Contemporânea pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Flávio Henrique Calheiros Casimiro, que estudou as edições do evento. 

O FL pode ser considerado um epicentro da onda extremista e antidemocrática que levou à eleição de Jair Bolsonaro. Alguns dos principais nomes dessa corrente que se assume liberal, como o deputado Marcel Van Hattem (Novo), se criaram neste ambiente e hoje ocupam as fileiras do parlamento brasileiro, considerado um dos mais conservadores

O Fórum da Liberdade se tornou grande e importante demais para a política brasileira para ser ignorado por nossa cobertura. Esta edição foi a primeira reunião da direita após a eleição de Lula e o ataque aos Três Poderes em 8 de janeiro. Os aplausos a Romeu Zema, governador de Minas Gerais, podem dar pistas de um próximo candidato.

Desafios da cobertura

Na matéria que publicamos a respeito do segundo dia do evento, nós erramos a mão no título. Com o intuito de chamar a atenção para o ataque do vice-prefeito de Porto Alegre, Ricardo Gomes, ao STF – uma das pautas mais recorrentes de Jair Bolsonaro e seus apoiadores durante seu mandato –, escrevemos: “Vice-prefeito de Porto Alegre levanta suspeitas de conluio do STF em favor da eleição de Lula”. 

Sem perceber, caímos em uma das armadilhas mais comuns na cobertura da extrema direita: ao alertar para o perigo de discursos autoritários e acusações infundadas, corremos o risco de parecer endossá-los ou fortalecê-los ao não contextualizá-los de forma clara no título.

Alertados pela professora de jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Marcia Benetti, refizemos o título, deixando mais claro que Gomes não apresentava provas do que dizia. A nova versão ficou assim: “Sem provas, vice-prefeito ecoa conspiração bolsonarista sobre ‘conluio’ do STF em favor de Lula”.

Como ignorar o que diz uma das autoridades mais relevantes da cidade? É um debate constante na redação do Matinal. Não raro decidimos não dar “palco para maluco”, como se diz por aí. Mais de uma vez já nos deparamos com projetos de lei de cunho autoritário na Câmara de Vereadores, mas optamos por não dar espaço enquanto a questão não avança na Casa. Muitos desses textos não prosperam, mas nosso monitoramento é constante, para não sermos pegos de surpresa quando germinarem novas sementes plantadas pelos bolsonaristas.

O que esperamos ao dar visibilidade para as declarações descabidas de Ricardo Gomes? Que ele seja responsabilizado por suas falas. E que os porto-alegrenses saibam bem quem está no primeiro escalão do governo de Sebastião Melo – lembremos que tem eleições municipais no ano que vem. Entendemos que um discurso como aquele, proferido em um evento para milhares de pessoas, com patrocínio de empresas gaúchas de peso, como Gerdau, Grupo RBS e Renner e também por organizações globais como a Rede Atlas, não poderia ser ignorado. 

Não é um trabalho fácil, mas saibam que estamos em constante questionamento por aqui. E é bom saber que nossos leitores também estão de olho.


Marcela Donini é editora-chefe do Matinal e está à disposição para responder dúvidas dos leitores pelo e-mail [email protected].

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