Carta da Editora

Todas e todos contra o feminicídio

Change Size Text
Todas e todos contra o feminicídio Lançado nesta semana, o Mapa Nacional da Violência de Gênero é uma parceria do Senado Federal, Instituto Avon e Gênero e Número | Foto: Rodrigo Viana/Senado Federal

Só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão

De tanto testemunharem feminicídios, as mulheres subvertem a lógica cruel do machismo e, num ato muito bem calculado, reivindicam a autonomia de seus corpos: tocam fogo em si.

Esse é o cenário imaginado pela escritora argentina Mariana Enriquez no conto que dá nome ao livro As coisas que perdemos no fogo. Realismo fantástico, alguns vão dizer. Outros vão encontrar muito sentido nos simbolismos presentes na resposta a uma realidade que, só neste ano, já custou a vida de 1.127 mulheres por sua condição de gênero no Brasil. Realidade essa nada fantástica, ainda que absurda.

O dado considera o período de janeiro a outubro e faz parte do Mapa Nacional da Violência de Gênero. Lançada nesta semana, a plataforma pública unifica indicadores sobre violência contra as mulheres no Brasil e é uma parceria do Senado Federal, Instituto Avon e Gênero e Número.

Amanhã é o Dia Internacional de Luta pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, e Porto Alegre vai ser palco de uma série de atividades e atos que fazem parte desta campanha. O Fórum Estadual de Mulheres do Rio Grande do Sul e a Campanha Nacional Levante Feminista Contra o Feminicídio, Lesbocídio e Transfeminicídio promovem ações na capital e outros municípios do RS, um dos estados com as mais altas taxas de violência contra a mulher.

A ONG Themis também tem uma extensa programação para Porto Alegre, que pode ser conferida aqui (alguns fazem parte também da agenda do Levante Feminista).

Fim de festa

Ao buscar informações sobre eventos cancelados por causa da chuva, me deparei com uma balada que estava marcada para acontecer amanhã no espaço Na Beira, localizado no Trecho 1 da Orla, que ficou debaixo d’água nesta semana. Me surpreendi ao ver que as entradas do lote 3 custam R$ 380 para homens e R$ 270 para mulheres

Em 2017, uma decisão da Justiça do DF proibiu a cobrança de valores diferentes em ingressos de uma festa alegando princípio de isonomia nas relações de consumo. A prática também foi considerada ilegal pelo Ministério da Justiça, no mesmo ano. Tampouco é recomendada por protocolos que visam a segurança das mulheres em eventos públicos.

Questionei a produção da festa pelo instagram, mas não tive retorno até o fechamento da coluna. Gostaria de saber 1. qual a justificativa para essa diferença e 2. se a produção tem ciência da decisão da Justiça de 2017 e do posicionamento do Ministério da Justiça, da mesma época, condenando a prática. 

A lógica por trás desse tipo de estratégia é conhecida: usar a mulherada como chamarisco de macho. Ou, dito de forma mais elegante, conforme a decisão de 2017, nesses casos, a mulher é usada “como um objeto de marketing para atrair o sexo oposto aos eventos, shows, casas de festas e outros”.

Seis anos atrás, a Opinião parou de realizar a Festa Mulher Não Paga, conhecido evento na capital. Em entrevista à Matinal em janeiro deste ano, a produtora afirmou que “desde as manifestações contrárias a esse tipo de evento, lá em 2017 mesmo, entendemos que não tem mais espaço para práticas que incentivem a objetificação da mulher”. 

Estamos em 2023. Já deu, né?

Cantar – e compor – também é resistir

Si me matan
Cuando me encuentren
Que digan siempre, que digan siempre
Que fui cantora
Viviendo sueños que como todas, crecí con miedo
Y aún así
Salí solita a ver estrellas
A andar los días
Y aún así
Salí solita a ver estrellas
A amar la vida

Assim começa a canção Si me matan, de Silvana Estrada, cantora mexicana que esteve em Porto Alegre em outubro, no festival MECA (Caldeira). A música que fala sobre feminicídio foi indicada à melhor canção de cantor/compositor no Grammy Latino. Quem levou foi Natalia Lafourcade, sua compatriota, que dedicou o prêmio a Silvana e a todas as amigas mulheres que compõem.

Silvana, em Porto Alegre | Foto: Antoni Fritschh/Daterra Studio

Avante, com Silvana:

Si me matan
Si es que me encuentran
Llénenme de flores, cúbranme de tierra
Que yo seré semilla para las que vienen
Que ya nadie nos calla
Ya nada nos contiene
Y que suenen los cantos como un manto tibio
Curándonos la herida de lo que hemos perdido
Y que un grito cual trueno nos arranque del duelo
Nos han quitado tanto
Nos quitaron el miedo
Que quede la esperanza
Y el azul del cielo
Mirarnos a la cara
Hermana, yo te quiero


Marcela Donini é editora-chefe da Matinal. No primeiro semestre deste ano, participou da segunda edição do Clube de Leituras Feministas, uma parceria do coletivo bell hooks, ligado à UFRGS, com o coletivo Djamila Ribeiro. Os debates contaram com a mediação de Nathallia Protazio. Um dos livros apresentados foi o título de Mariana Enriquez citado nesta coluna.
Contato: [email protected]

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.