Carta da Editora

Tudo é questão de gênero

Change Size Text
Tudo é questão de gênero Porto Alegre teve queda na população e alta de imóveis vagos | Foto: Giulian Serafim/PMPA

Quando alguém começa a se especializar em um assunto passa a enxergá-lo em todos os lugares. É como quem está tentando engravidar e começa a ver mulheres grávidas e bebês onde antes não via – eles já estavam lá, só não recebiam atenção.

Eu venho testando uma hipótese sobre como as questões de gênero permeiam nossos problemas sociais mais crônicos. Vejam, por exemplo, os dados do Censo Demográfico 2022 divulgados nesta semana. Destacamos na Matinal News que Porto Alegre, além de perder população, registrou um aumento de imóveis vagos. O dobro de domicílios vagos revelado agora não é explicado apenas pela queda populacional, a conta não fecharia. Acontece que, no período, houve também uma alta expressiva de novos imóveis. 

Os números rapidamente foram associados ao déficit habitacional. Se tem tanta casa sem gente, como ainda tem tanta gente sem casa? A pergunta é legítima. A resposta não parece tão simples. Entre as razões para esse boom de imóveis vazios está a financeirização do mercado imobiliário, cuja lógica é obter lucro com a valorização de empreendimentos de luxo e não necessariamente com a sua venda, conforme explica esta reportagem do Sul21.

Mas o que isso tem a ver com gênero? Pela primeira vez, as mulheres são maioria entre as responsáveis pelos lares brasileiros, especialmente naqueles onde vivem mais de uma família. Elas também compõem 60% do déficit habitacional no país, segundo a Fundação João Pinheiro, que inclui no cálculo moradias precárias e aluguéis excessivamente caros.

Ou seja, novas políticas habitacionais precisam considerar as necessidades das mulheres, em especial as negras, perfil majoritário entre as chefes de família no Brasil – mostrando que questões de gênero e raça estão sempre implicadas. Será que Porto Alegre está olhando para esses dados na revisão do seu Plano Diretor? 

Mães duplamente sobrecarregadas

No cenário nacional, o crescimento da população ainda não é negativo como na capital gaúcha, mas desacelerou, como costuma ocorrer em países em desenvolvimento. Com 203 milhões de pessoas, o Brasil registrou a menor taxa de crescimento da sua história. 

Uma população envelhecida tem reflexos diretos na vida das mulheres, que são as principais cuidadoras de idosos, seja como profissionais ou nas suas famílias. Antigamente, quando chegava a hora de cuidar dos mais velhos, os filhos já estavam crescidos. Agora, com uma maior expectativa de vida e a escolha tardia pela maternidade, mães com idades entre 40 e 50 anos se veem “ensanduichadas” ao ter de cuidar de filhos e pais ao mesmo tempo. A “geração sanduíche” cresce também à medida que as famílias se reduziram e há menos rede de apoio para dividir responsabilidades.

As perspectivas não são boas, mas poderiam melhorar se questões de gênero deixassem de ser vistas como problemas exclusivos das mulheres. Não são. E se você começar a prestar atenção, vai passar a enxergar também.


Marcela Donini é editora-chefe do Matinal.
Contato: [email protected]

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.