Carta da Editora

Um alô para os conservadores

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Um alô para os conservadores Alexandre Garcia recebe título de Cidadão de Porto Alegre | Foto: CMPA

“O futuro não está pedindo vossas opiniões para acontecer.” A frase da personagem Lili Tosta, do romance Água de Barrela, de Eliana Alves Cruz, ficou ecoando na minha cabeça nesta semana. A moça que saiu do Rio de Janeiro para visitar tias e primas no interior da Bahia chocou a parentada com ideias como o voto feminino. O ano era 1911.

Pego carona nessa ideia para dizer que o futuro não está nem aí para a baixeza dos deputados na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara que aprovaram o PL que proíbe o casamento homoafetivo. A união entre pessoas do mesmo sexo já foi reconhecida pelo Superior Tribunal Federal, como lembrou a OAB nacional ao afirmar que o texto é inconstitucional. Em vídeo publicado na quarta-feira, o governador Eduardo Leite (PSDB) repudiou a proposta e disse acreditar que o projeto não vai prosperar em outras comissões ou no plenário da Casa.

Mas se tem uma lição que aprendemos em quatro anos de Jair Bolsonaro no Planalto é que nenhum direito está garantido. Por isso é preciso estar atento e forte sempre – o que significa também atentar para o que realmente está em jogo. Os deputados conservadores sabem que o projeto fere a Constituição. Mas eu volto a citar Eliana Alves Cruz para ressaltar que “a briga é por discurso, por fincar uma bandeira de poder do fundamentalismo, acenando para um eleitorado cego…e numeroso”, como publicou a escritora no X (antigo Twitter).

As tias do Zap

Ano que vem tem eleição. E quem parece já estar de olho em 2024 são alguns vereadores de Porto Alegre que também têm dado o seu alô ao eleitorado conservador. Nesta semana, a Câmara Municipal aprovou uma homenagem ao jornalista Alexandre Garcia, que recentemente teve de se retratar a pedido da Advocacia-Geral da União depois de espalhar informação falsa (de novo). 

“Tias do Zap” presentes na sessão. Aplicativo é conhecido por impulsionar desinformação | Foto: CMPA

Nas galerias da Câmara Municipal durante a sessão de segunda-feira, um cartaz assinado pelas “tias do Zap” felicitava o jornalista – a expressão é usada por apoiadoras de Bolsonaro. Ao agradecer ao público e aos parlamentares pela homenagem proposta pela vereadora Comandante Nadia (PP), o jornalista e agora cidadão de Porto Alegre fez questão de falar da necessidade de sempre checar a informação. Mas, no dia 8 de setembro, enquanto o Rio Grande do Sul contava os corpos das vítimas do ciclone que devastou o Vale do Taquari, Garcia deixou de lado o próprio conselho e sugeriu que o desastre poderia ter sido agravado pela abertura simultânea de comportas de três barragens que foram construídas sob governo do PT. A verdade: não há comportas na região

Maré verde

Lenço da campanha Nem Presa Nem Morta | Foto: Acervo pessoal

Outro sinal enviado ao eleitorado conservador de Porto Alegre tem sido recorrente entre vereadores da capital. Eles insistem em navegar em águas que não são de sua alçada ao abordar a pauta do aborto legal. Quero crer que o futuro também vai dar de ombros para as crenças e convicções mal fundamentadas de quem ainda defende a criminalização das mulheres que abortam.

Não é a moção de repúdio do vereador Cláudio Conceição (União), também aprovada nesta semana na Câmara de Porto Alegre, que vai barrar a onda verde que vem tomando conta de países latino-americanos onde a prática foi legalizada recentemente. No texto, o vereador afirma, sem citar fonte, que a maioria da população não é a favor da descriminalização do aborto. Mas não é bem assim.

Na realidade, tem crescido o número de brasileiros contrários à prisão de mulheres por aborto, segundo informa a revista Piauí: eram 52% em 2018, são 59% em 2023 – o aumento se dá inclusive entre evangélicos. Os dados foram revelados em pesquisa do Instituto da Democracia, que entrevistou presencialmente cerca de 2 mil pessoas de todas as regiões do país nos últimos cinco anos. 

Faltou informação ao vereador. Mas o compromisso dele não parece ser com a verdade, e sim com a turma que ainda nega os avanços das pautas progressistas e, em 2024, virá com tudo para tentar freá-las.


Marcela Donini é editora-chefe da Matinal e manda um abraço bem carinhoso para Deborah e Lu, Luísa e Karen, Priscila e Fernanda (e os meninos Gabriel e Lucas), Vitor e Rafael, Adriana e Ana, Camila e Micaela, Déia e Samanta (e os filhos Gabi e Mari) e toda comunidade LGBTQIA+.
Contato: [email protected]

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