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Cheia histórica, conselhos tutelares, calotes e perguntas sem respostas: a semana em Porto Alegre

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Cheia histórica, conselhos tutelares, calotes e perguntas sem respostas: a semana em Porto Alegre Foto: Pedro Piegas/PMPA

A cheia histórica do Guaíba dominou as manchetes da imprensa local nesta semana, como deveria ser. Mas está apenas começando – com atraso – o debate de como as cidades devem lidar com a emergência climática. Ainda veremos muita discussão sobre o Muro da Mauá, que, pela primeira vez, foi colocado à prova e pode estar com os dias contados – sua derrubada está prevista na concessão do Cais à iniciativa privada.

Parece haver consenso entre urbanistas de que é necessário um sistema mais moderno de contenção e que não aparte a cidade do Guaíba. Mas fica a pergunta: o que está sendo planejado para proteger os moradores das ilhas, os mais prejudicados com as enchentes? E para os bairros da zona sul, como Guarujá, Belém Novo e Lami, onde as águas também avançaram sobre a orla, invadindo casas, antes mesmo de transbordarem nos armazéns do centro?

Passado o pior das chuvas, peço licença para falar de outros dois assuntos importantíssimos que levantamos nesta semana. O primeiro, mais urgente pela data que se aproxima, são as eleições para os conselhos tutelares, que ocorrem neste domingo em todo o país – em Porto Alegre, parcialmente, já que a microrregião 1, que abrange as ilhas, deve ter nova data anunciada em função das chuvas.

O avanço de conservadores, ligados a partidos políticos ou igrejas, é um risco à universalização dos direitos de crianças e adolescentes, alertou a psicóloga Carmen Oliveira em entrevista que publicamos ontem. Você alguma vez já votou para conselheiro tutelar? Informe-se e participe desse pleito, que não é obrigatório e costuma ter baixíssima adesão da população.

O segundo tema é uma denúncia que fizemos no início da semana sobre os calotes realizados por três empresários em terceirizadas da prefeitura. O esquema tem 15 anos. Quinze. São 15 anos aplicando calote no poder público e prejudicando quem depende dos serviços e os trabalhadores que os executam, os maiores prejudicados nessa história.

Segundo as denúncias apuradas pelo repórter Pedro Nakamura, os empresários usam o nome de trabalhadores como laranjas para fazer os contratos com a prefeitura, e o golpe se concretiza quando embolsam os valores de encargos trabalhistas futuros – pagos pelos órgãos públicos de forma adiantada – e somem. 

Quem paga a conta? Trabalhadores e trabalhadoras precarizadas, em sua maioria mães solo, negras e da periferia, segundo o presidente do Sindicato Intermunicipal dos Empregados em Empresas de Asseio e Conservação e de Serviços Terceirizados em Asseio e Conservação do RS, Francisco Rosso.

O que o poder público vai fazer para proteger esses trabalhadores e a oferta dos serviços que presta à população de um esquema que se perpetua por anos?

Enquanto isso, na Câmara de Vereadores…

Com tudo isso rolando na cidade, a vereadora Fernanda Barth (PL) achou urgente se posicionar contra a descriminalização do aborto. Barth manifestou solidariedade ao Congresso Nacional, pois considera ser de competência do legislativo e não do STF deliberar sobre a pauta, que foi brilhantemente sustentada pela ministra Rosa Weber em seu voto favorável à legalização da prática no Brasil até as 12 semanas de gestação.

A votação da moção de solidariedade ao Congresso, na Câmara Municipal de Porto Alegre, localizada a poucos metros de uma orla debaixo d’água, foi marcada pela presença de uma ativista “convidada a se retirar” do plenário. A socióloga Milene Bordini vestia uma camiseta com a frase “Lute como uma abortista”. A pedido do vereador Tiago Albrecht (Novo), o presidente da Casa, Hamilton Sossmeier (PTB), mandou que ela fosse convidada a se retirar, caso contrário a segurança a estaria retirando, afirmou. Albrecht disse que a frase da camiseta era “apologia ao crime”.

Por causa da intervenção de vereadores da esquerda, Bordini pode ficar, mas teve de fechar o casaco. Em nota enviada à redação, a assessoria da Câmara disse que a “manifestação não verbal em questão estava interferindo na ordem da sessão e na capacidade dos Vereadores e Vereadoras de exercerem suas funções de forma adequada”. 

A nota também destacou, de modo contraditório, que “o legislativo valoriza profundamente o direito à livre expressão e ao debate democrático” e que “as galerias são espaços abertos à participação do público, e as opiniões dos cidadãos são essenciais para o funcionamento saudável de nossa democracia”. 

Vereadoras como Barth, Comandante Nadia (PP), Mônica Leal (PP), além de Albrecht, usaram adesivos “Aborto é assassinato” na lapela na mesma semana. Não se tem notícia de algum parlamentar ter pedido a retirada da manifestação. 

A tal moção de solidariedade ao Congresso foi aprovada com 19 votos favoráveis e oito contrários.


Marcela Donini é editora-chefe na Matinal e favorável à descriminalização do aborto.
Contato: [email protected]

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