Carta do Editor

Quem diz o que é verdade?

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Quem diz o que é verdade?

Para se dizer o mínimo, vivemos tempos esquisitos. Daqui a nove dias estamos convidados a voltar à urna e eleger presidente e governador. Num momento em que o ideal seria debatermos propostas, gastamos energia (e tempo e pacotes de dados) consumindo desinformações, mentiras e notícias falsas.

Mas quem diz o que é a verdade?

Devo eu defender que esse é um papel do jornalista, que por décadas viu seu modus operandi ser o mesmo através dos meios e das tecnologias. Porém, esse ciclo começou a ser quebrado uns 18 anos atrás, quando algo chamado web 2.0 quebrou uma famosa teoria da comunicação, que estabelecia uma ordem consagrada: emissor (jornalista) – mensagem (reportagem) – receptor (público).

A partir daquele momento, os internautas (para usar um termo mais apropriado àquela época) passaram a ser capazes de interagir, não só por meio de comentários no meio em questão, como também criar seus “próprios portais”, os famosos blogs. Se havia certo entusiasmo com o que era considerado uma democratização das possibilidades de publicação, faltou um pé no freio para se refletir: quem diz a verdade? Isso para não avançar ainda mais numa outra discussão, sobre o que é a verdade.

Não muito depois desse período, uma decisão do Supremo Tribunal Federal derrubou a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Relator do Recurso Extraordinário em questão, o ministro Gilmar Mendes entendeu que “jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensados e tratados de forma separada”.

A decisão é de 2009, ano em que Twitter e Facebook ainda galgavam papéis de maior relevância no debate público. Ainda que o auge dessas duas plataformas talvez tenha passado, outras redes sociais vieram a seguir e ascenderam perfis nebulosos disfarçados de jornalistas, que supostamente se propõem a informar. E não é preciso enumerar o quanto de desinformação e mentiras circularam nelas. Mas, espera aí, quem diz o que é a verdade?

Neste momento, este papel cabe a ministros do Tribunal Superior Eleitoral, que aumentaram para si poderes de decisão e veto sobre conteúdos publicados. Que tipo de conteúdos, falsos, jornalísticos? Vivemos tempos esquisitos em que talvez não seja bem claro o quanto há de falsidade em uma notícia, o quanto se fere a liberdade de expressão na crítica a um comentário, o quanto o veto a isso é correto ou censura.

Convém aprender com erros do passado. Censura – seja ela em cortes judiciais ou em redações – é algo abjeto, mas enfraquecer o jornalismo profissional tampouco fez sentido. Ainda mais em épocas em que meios e canais de informação e desinformação se multiplicam. O público, que a cada dois anos se faz eleitor, precisa saber quem diz o que é verdade. Precisa saber, na sociedade, em quem confiar para informar-se, embasar suas opiniões e, em última instância, fortalecer a convivência democrática em comunidade.

O jornalismo e o jornalista também não podem estar acima de quaisquer questionamentos. Humanos, jornalistas erram – e é importante reconhecer isso. Mas por que, então, uma profissão tão delicada como essa não conta com um Conselho, que fiscalize e proteja o exercício deste trabalho, cujo propósito é dizer a verdade ou o mais próximo à verdade? São passos a serem seguidos.

Jornalismo profissional é trabalhoso. Exige tempo e suporte. As notícias, principalmente as que se propõem a ser verdadeiras, não brotam gratuitamente na sua tela. Para fortalecer veículos éticos e comprometidos, considere apoiá-los, ajude a divulgá-los e a entrarem em mais bolhas. O jornalismo precisa ser mais forte do que a desinformação, e não só em épocas de eleição.  

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