Reportagem

Na Alergs, autoridades confirmam irregularidade de pesquisa com proxalutamida em Porto Alegre

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Na Alergs, autoridades confirmam irregularidade de pesquisa com proxalutamida em Porto Alegre Encontro foi presidido pelo deputado Pepe Vargas (PT) e contou com representantes de MPF, Conep e Matinal (Reprodução)

Audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul discutiu caso revelado pelo Matinal em agosto. Médicos administraram remédio a pacientes com covid-19 internados no Hospital da Brigada Militar sem autorização da Conep

Uma audiência pública realizada virtualmente nesta segunda-feira (27) pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (Alergs) discutiu o experimento irregular com proxalutamida revelado pelo Matinal em agosto. Proposta pelo deputado Pepe Vargas (PT), a audiência foi transmitida pela TV Assembleia e pelas redes da Casa.

Com a participação de deputados, médicos, autoridades sanitárias e da editora-chefe do Grupo Matinal Jornalismo, Marcela Donini, a audiência durou cerca de duas horas. Na abertura, o deputado Pepe Vargas ressaltou o papel da reportagem de Pedro Nakamura e apontou o papel da Assembleia como instituição fiscalizadora da administração pública.

Responsável pelo experimento, o médico endocrinologista Flávio Cadegiani não compareceu ao encontro e enviou uma nota, lida na íntegra por Pepe Vargas, em que voltou a afirmar que a pesquisa realizada na capital gaúcha tinha autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). O texto ainda informava que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido entregue aos pacientes do Hospital da Brigada Militar também foi aprovado pelo órgão, o que não ocorreu, conforme um porta-voz já havia afirmado ao Matinal. O termo, aliás, omitiu informações relevantes dos pacientes, o que foi destacado pela editora Marcela Donini e pelo coordenador da Conep, o médico Jorge Venâncio em suas falas.

Na nota, Cadegiani apresentou-se como pesquisador independente, sem vínculo com indústria farmacêutica, mas omitiu a informação de que foi diretor da Applied Biology, empresa interessada nas patentes do tratamento antiandrogênico contra a covid-19. O médico também lamentou estar sofrendo “uma violenta perseguição” por conta da “vergonhosa politização da covid-19 e da polarização das formas de seu enfrentamento”. 

Presente no encontro, o médico Jorge Venâncio, começou sua fala ressaltando que o número de mortes na pesquisa conduzida por Cadegiani em Manaus, com o mesmo fármaco usado no Hospital da Brigada Militar, não tem precedentes: “Uma pesquisa em que morrem 200 pessoas é inédita, nunca vimos nada próximo disso. A pesquisa com a maior quantidade de óbitos foram 20 e poucos”. Venâncio destacou que os pesquisadores não atenderam ao pedido do órgão a respeito da descrição detalhada das mortes e dos termos de consentimento apresentados aos pacientes. “Existem erros graves que precisam ser apurados”, disse.

Venâncio reafirmou que o teste feito em Porto Alegre não tinha autorização da Conep. O médico explicou que toda pesquisa no País precisa ter cadastrados os centros participantes e um pesquisador responsável naquele local. Segundo ele, as resoluções do Conselho Nacional de Saúde são “claríssimas”. “São milhares de pesquisas no País feitas dessa maneira, não estamos dizendo nenhuma novidade”. E completou: “não tem cabimento isso, não existe autorização nacional”. Representante do Ministério Público Federal, que investiga o caso, a Procuradora da República Suzete Bragagnolo também foi taxativa: “Houve uma autorização inicial (da Conep), nunca para aplicação do estado do Rio Grande do Sul, e para uma abrangência bem inferior ao que efetivamente foi feito”.

O deputado Pepe Vargas leu também a nota enviada pelo Comando-Geral da Brigada Militar e assinada pelo coronel Igor Wolwacz Júnior, diretor do Departamento de Saúde da BM. Para a corporação, informações preliminares “dão conta de que o Estado obedeceu às exigências dos órgãos competentes”, mas que mesmo assim a instituição iria abrir uma investigação interna – mesmo posicionamento que já havia sido enviado à redação do Matinal logo após a revelação do episódio.

Danos à pesquisa brasileira

Em sua fala, Carlos Isaia Filho, presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), que também abriu sindicância, apontou que “há evidências de que não houve aprovação de qualquer comitê de ética em pesquisa”. Ressaltou ainda que o experimento pode causar uma “sequela grave” à “credibilidade mundial” que os regramentos de pesquisa deram ao Brasil.

Já o deputado Dr. Thiago Duarte (DEM) pediu a palavra para defender o estudo: “É importante que se tenha autonomia médica. Sem isso a ciência não avança e os médicos, por interesses políticos, podem ser obstaculizados a salvar vidas, e isso não pode acontecer”. Os colegas Tenente Coronel Zucco (PSL) e Eric Lins (DEM) também se manifestaram em defesa do experimento.

Representante do Matinal, a editora-chefe Marcela Donini ressaltou que os médicos coordenadores do estudo “voaram abaixo do radar dos órgãos competentes”. A jornalista ressaltou os impactos já registrados a partir da publicação da reportagem, como o anúncio da Anvisa sobre mudança nas regras de importação da proxalutamida para o Brasil, ação destacada também por Daniela Marreco Cerqueira, diretora-adjunta da 5ª diretoria da agência reguladora. “Foram verificadas lacunas de informação entre as importações que foram realizadas e os pareceres de aprovação da Conep para as pesquisas”, disse Cerqueira, explicando as motivações para a suspensão da importação e uso de produtos a base de proxalutamida no âmbito da pesquisa científica no Brasil.

Por fim, Donini destacou a importância do trabalho jornalístico, que possibilitou dar visibilidade ao caso. “Isso só chegou ao grande público graças ao nosso trabalho, em especial à apuração incansável do repórter Pedro Nakamura. Um trabalho coletivo de edição e checagem com outros colegas jornalistas”. A editora destacou ainda a importância de um ambiente seguro para que os jornalistas possam exercer seu trabalho com independência e compromisso com o interesse público e a defesa dos direitos humanos, e mencionou os ataques sofridos pelo repórter nas redes sociais.
Veja a íntegra da audiência aqui.

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