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Capital retoma aporte público para blocos de carnaval de rua, mas produtores apontam problemas na distribuição dos recursos

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Capital retoma aporte público para blocos de carnaval de rua, mas produtores apontam problemas na distribuição dos recursos Prefeitura diz que se trata do maior investimento da história de Porto Alegre para os blocos de rua | Foto: Alex Rocha/PMPA

Depois do hiato da pandemia e de 2023, ano no qual não houve aporte público para os blocos de carnaval em Porto Alegre, os festejos terão financiamento estatal retomado em 2024. De 27 de janeiro até 10 de março, pelo menos 77 blocos devem desfilar na capital gaúcha, da região central à periferia da cidade. Um edital lançado ainda em setembro pela Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMCEC) organizou a distribuição de recursos para a festa que se aproxima: 950 mil reais, entre verba do município e federal, darão suporte às atividades carnavalescas. Trabalhadores culturais, porém, dizem que “há muitos problemas” no arranjo engendrado pela prefeitura.

No ano passado, a falta de apoio do município aos blocos de rua gerou críticas – e acabou por produzir um contexto de precariedade nas estruturas para a festa popular. E até de violência policial: na terça-feira de carnaval, ainda antes da meia-noite, quem tentava se divertir em um dos cortejos foi expulso por bombas de efeito moral da Brigada Militar na Praça do Aeromóvel, em frente à orla.

Agora, a prefeitura diz que se trata do maior investimento da história de Porto Alegre para os blocos de rua. São 500 mil do município, através do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural (Fumproarte), com mais 450 mil do governo federal, fruto de uma emenda impositiva do senador Luiz Carlos Heinze (Progressistas).

Em 2023, de acordo com o diretor do Fumproarte, Miguel Sisto, existia uma expectativa de realização do carnaval de rua com financiamento das leis de incentivo à cultura, tanto estadual quanto federal. “A SMCEC chegou a reservar recursos para participar com cota do Município, mas os projetos não prosperaram”, afirma.

Ainda que o edital para 2024 tenha sido celebrado pelos carnavalescos, a organização da prefeitura é apontada como problemática por quem pôde ou poderia acessar esse financiamento. “Nosso carnaval está muito aquém do que poderia ser, por falta de políticas públicas. Há uma tentativa de organizar que parte dos blocos, mas durante todo o ano lidamos com o descaso da prefeitura, incapacidade de gestão e de operacionalizar. Vai ser grande porque existem blocos, produtoras querendo fazer”, relata o produtor Ian Angeli, que é coordenador da Pro.Bloco Produções Culturais, contemplada para realizar saídas ao longo de quatro dias, na Orla do Guaíba.

“Sem contar que começamos 2024 sem previsão para o carnaval de 2025”, diz Angeli, que também foi contratado como produtor-executivo em outros dois projetos que receberam recursos. Ele conta que, a um mês das datas do feriado, ainda não há liberação de alguns locais para os cortejos. “Mesmo os independentes não sabem se vão poder sair”, diz.

Integrante da bateria da Turucutá, coletivo que pretende sair no dia 23 de março, ele relata que ainda não houve o aval para que o cortejo utilize a avenida Osvaldo Aranha. “O bloco cresceu muito, não cabe mais na rua Washington Luís”, diz, referindo-se à via onde tradicionalmente o grupo realiza suas saídas. “Como a prefeitura vai lidar com os blocos que não estão no edital, os independentes?”, questiona.

Também o calendário de pagamentos – ou a falta dele – impede a organização prévia de blocos e produtoras. “Há uma incerteza sobre quando receberemos a verba. Sei que houve até mudança de datas de saída, por parte de produtores. Não consegui fazer reserva de banheiro químico e trio elétrico, a gente não pode fazer contratações antes porque não sabemos quando vamos pagar”, relata Angeli. A prefeitura, por sua vez, diz que os recursos são transferidos aos proponentes contemplados “antes dos desfiles”, sem detalhar a agenda de pagamentos.

O formato do edital também é visto como restritivo por parte dos blocos independentes, não vinculados às produtoras. No caso do Avisem a Shana que Sábado Vai Chover, uma das necessidades previstas no documento era  organizar um circuito com 10 grupos por inscrição, no caso de quem pretende sair na Orla. “A ideia era inscrever o bloco, mas, quando vimos sobre essa determinação, seria surreal para nós. Somos uma fanfarra de sopros e percussão, não encontraríamos nove outros grupos que não repetissem várias pessoas de outros blocos, não conseguiríamos colocar todo mundo a tocar”, disse a integrante Carólis, em entrevista à Matinal. Trata-se, para ela, de um edital “engessado”, que não funciona para o formato de muitos coletivos da cidade.

Ela diz que a liberação dos recursos é positiva, mas que as determinações da prefeitura podem descaracterizar a festa tal qual é realizada em Porto Alegre. “Havia um carnaval de rua, há cerca de dez anos, grande, legal. Não davam a grana, mas não vetavam. É positivo o início do processo, mas estou curiosa para saber se a prefeitura vai abraçar na execução, com os serviços que lhe cabem, como a limpeza”, questiona.

A Comissão de Blocos de Carnaval de Rua de Porto Alegre, um grupo que conta com 17 representantes de grupos, foi instituída ainda em fevereiro de 2023. A Secretaria de Cultura e Economia Criativa alega que foi essa comissão, “com a expertise na área”, que definiu os critérios do edital.

O diretor do Fumproarte, Miguel Sisto, afirmou à reportagem do Correio do Povo que o Centro Histórico e a Cidade Baixa seriam evitados para “garantir a segurança dos foliões e o sossego dos moradores” – questionado pela Matinal, Sisto disse que os desfiles oficiais, por recomendação da Empresa Pública de Transporte e Circulação, devem acontecer na Orla, mas que “blocos que optarem por carnaval independente poderão fazer desfiles em qualquer local da cidade, desde que cumpram com os requisitos de segurança e de viabilidade necessários”.

Sete projetos foram contemplados pela verba pública: dois para a região da Orla, com pelo menos dez blocos cada, e mais cinco para saídas descentralizadas, com pelo menos cinco blocos cada.

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