Sem acessar recursos da LIC, Feira do Livro de Porto Alegre pode ser menor em 2023
A três meses da abertura, evento pode ter orçamento reduzido em cerca de um terço
Com menos R$ 871,6 mil em seu orçamento, a Feira do Livro de Porto Alegre pode ficar menor este ano. Por causa de uma mudança dos critérios de acesso à Lei de Incentivo à Cultura (LIC) do estado, o evento literário não poderá acessar tais recursos. Existe a chance, portanto, de que a organização do evento precise limitar os gastos com a programação ou a estrutura.
Conforme resolução adotada em março deste ano pelo Conselho Estadual de Cultura, órgão que delibera a respeito do destino dos recursos da LIC, optou-se por priorizar projetos realizados em municípios com menos valores aprovados nos últimos 12 meses. Em Porto Alegre, que é a cidade com o maior número de projetos culturais, o financiamento não estava mais disponível. É a primeira vez que a feira literária da capital não acessa os recursos da lei, desde que se instituiu esse tipo de financiamento a atividades culturais, em 1996.
“O que tivemos, afinal, foi que a Feira não foi aprovada entre os projetos que recebem recursos da LIC”, disse o livreiro Maximiliano Ledur, presidente da Câmara Rio-grandense do Livro, que organiza o evento. “Não imaginei que isso pudesse acontecer com um patrimônio cultural imaterial que não é só da cidade, mas também do estado e do país”, afirma. A entidade buscará maneiras de substituir esses recursos – ou, na ausência de uma solução, refazer a lista de atrações do evento.
Os R$ 871,6 mil representam, de acordo com Ledur, cerca de 30% do orçamento com o qual contaria a Feira em 2023. “Estamos em reuniões com patrocinadores, buscando a possibilidade de aumento de verba, e também novos patrocinadores. Na prática são só três meses até o evento”, argumenta. Mesmo o governo estadual, afirma o livreiro, “diz que vai dar um jeito de nos ajudar”.
“Essa mudança de critérios do Conselho Estadual de Cultura para emprego dos recursos da LIC, que serviria para pulverizar os recursos por todo o estado, a meu ver, não se justifica. Eventos como a Feira do Livro de Porto Alegre ultrapassam os limites do município ou da região. Mais de 500 turmas escolares de instituições públicas de ensino, de todo o Rio Grande do Sul, são trazidas para o evento”, exemplifica Ledur.
Atividades como o Acampamento Farroupilha da Capital e o Festival de Cinema de Gramado também não poderão acessar valores neste ano. A Câmara Rio-grandense do Livro pretende ainda captar o valor equivalente ao da LIC, também junto ao governo estadual.
A Feira, por sua vez, tem recursos apertados, se comparados aos utilizados em edições mais antigas. “O que temos, hoje, é um valor menor do que o de dez anos atrás, em valor nominal. Ao considerarmos os aumentos de preços ao longo desse período, então, percebe-se o quanto estamos diminuídos”, diz Ledur. “A gente não pode sacrificar nossos fornecedores. Há compromissos em que não podemos mais cortar gastos.”
A secretária de Estado da Cultura, Beatriz Araújo, diz que a pasta “não quer que o evento perca o brilho”, ainda que não possa ultrapassar a decisão do Conselho Estadual de Cultura.
“Dialogamos muitas vezes com o Conselho Estadual de Cultura, temos o maior respeito pela autonomia dessa instância, mas entendemos que essa escolha desse critério não foi o melhor caminho. Tampouco a Secretaria poderia deixar de respeitar essa decisão. Buscaremos, para 2024, caminhos para que isso não ocorra novamente”, diz a secretária.
A pasta informa que o valor destinado à Lei de Incentivo à Cultura dobrou, se comparado ao aplicado no ano de 2019. Naquele ano, com R$ 35 milhões disponíveis, houve 238 proponentes que inscreveram 397 projetos. Em 2022, com recursos de R$ 70 milhões, foram cadastrados 1.144 projetos – ou seja: embora o recurso tenha duplicado, o número de propostas quase triplicou.
Isso se dá, de acordo com a secretária, porque “a Lei Rouanet parou de funcionar no governo Bolsonaro”. Como essa política atendia a muitos projetos no Rio Grande do Sul, houve uma migração em direção à Lei de Incentivo à Cultura do estado. “Outra questão importante, também, é a Lei Aldir Blanc, que provocou um acréscimo substancial no número de cadastros no sistema estadual de cultura. Grupos organizados, que até então não faziam parte dessas políticas públicas, passaram a utilizá-las. Em 2019 tínhamos cerca de 7 mil cadastros – hoje são 12 mil. Teremos ainda muitos mais com a nova Lei Paulo Gustavo”, projeta.
“Miopia histórica”
Patrono da edição de 2013 da Feira do Livro e editor da revista Parêntese, o professor Luís Augusto Fischer critica o tratamento dado à Feira do Livro: “Não sei onde o Conselho Estadual de Cultura andava com a cabeça quando resolveu tomar a Feira do Livro como um evento qualquer entre tantos outros, para disputar a mesma verba”.
Fischer também ressalta a importância do evento não apenas para a Capital: “A Feira do Livro de Porto Alegre, essa que tem quase 70 anos, é a feira do Erico Verissimo, do Dyonélio Machado, do Mario Quintana, do Moacyr Scliar, do Oliveira Silveira, de uma quantidade enorme de escritores que simplesmente fizeram a cara do Rio Grande do Sul. A Feira é uma parte essencial da produção literária do RS”, afirma. “Inviabilizá-la negando esse financiamento é uma miopia histórica das mais constrangedoras.”