Reportagem

Melo deve aplicar no SUS metade do proposto pela Secretaria Municipal da Saúde

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Melo deve aplicar no SUS metade do proposto pela Secretaria Municipal da Saúde Robson da Silveira/PMPA

Porto Alegre terá pela frente um ano de “altíssimo risco” de problemas na assistência à saúde de sua população. O alerta é de um relatório da Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Municipal de Saúde (CMS). 

O aporte previsto para 2024, de 17,6% dos gastos totais da prefeitura, é inferior ao executado em 2023, que chegou a 21%. É esperada a aplicação de 49,8% dos valores que a própria Secretaria Municipal de Saúde (SMS) havia solicitado ao núcleo do governo de Sebastião Melo (MDB). A Lei Orçamentária Anual (LOA) foi aprovada em dezembro pela Câmara Municipal.

Ao analisar a LOA para 2024, o CMS produziu um relatório que aponta problemas graves de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) na capital. A redução, informa o conselho, irá agravar um subfinanciamento crônico na área devido à Emenda Constitucional 95, conhecida como lei do Teto de Gastos, válida desde 2017. Nos últimos dez anos, pelo menos, ocorreu uma redução de aportes por parte do município, que não atende a demanda por exames e cirurgias represada pela pandemia da covid-19.

“A pandemia segue com demandas que chamamos ‘sindemia’, de efeitos nas pessoas que tiveram covid-19 e que têm questões a partir disso. E ainda há o represamento derivado desse período: suspensão de consultas eletivas, cirurgias, um cenário de acúmulo, sem aporte municipal”, detalha a integrante da Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin) do Conselho Municipal de Saúde, Ana Paula de Lima. “Já apontávamos essas questões em outros relatórios, de outros anos, de outras leis orçamentárias. Soma-se agora a esse contexto também no município. As exigências de saúde são crescentes”. 

A conselheira afirma que o município realiza manobras contábeis para criar superávit orçamentário no município, utilizando recursos da saúde. “O que é ilegal. Há uma série de irregularidades que a prefeitura vem cometendo na gestão da saúde. Recursos da saúde foram repassados para a educação, por um decreto municipal, para tentar criar legalidade nessa transferência, mas isso não é permitido”, exemplifica. 

A parcela do orçamento municipal dedicada à saúde vem diminuindo nos últimos dez anos: era de 21,42% em 2013, considerando o gasto executado, e caiu para 17,06% em 2022. Conforme dados dos Relatórios Anuais de Gestão, desde 2018 a participação do município no financiamento da saúde vem caindo na comparação aos aportes federais e estaduais. 

Um estudo realizado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) mostra que há boa capacidade nos hospitais instalados no Rio Grande do Sul, mas que há utilização ineficiente de recursos.  Essa investigação chegou à conclusão de que há uma quantidade exagerada de pequenas instituições, considerando o cenário estadual, fragmentando o SUS e dificultando o atendimento à população.

A Matinal revelou, em agosto, que uma crise no Centro de Reabilitação de Porto Alegre (Cerepal) deixou mais de 800 pessoas sem cadeiras de roda na capital – no mesmo mês, famílias denunciaram que casos de negligência no Hospital Vila Nova chegaram a causar a morte de pacientes.

No ano passado, o orçamento da saúde precisou ser suplementado em 18,45%, considerando gastos executados até outubro. Quando a prefeitura propõe um percentual de financiamento muito baixo, a prática de suplementação – quando se altera o orçamento, para adequá-lo a realidades não previstas na LOA – acaba se tornando corriqueira. “Essa suplementação só poderia ser utilizada em situações especiais. Essa política, nessa proporção, é temerária. São despesas previsíveis, interferem na execução dos serviços de saúde, afetando a oferta e a qualidade dos serviços”, avalia a conselheira.

O corte de quase 50% dos recursos necessários, diz Ana Paula, força a saúde pública a contar com verbas que não são garantidas. “Há, sim, riscos de desabastecimento. Quebra com a possibilidade de planejamento do gasto público”, afirma. 

No relatório, a Comissão de Financiamento da CMS pontua que recursos  da saúde – tanto nos previstos para 2024 quanto nas execuções de anos anteriores – fazem parte de uma estratégia de redução de gasto da prefeitura e evidenciam que “política de saúde não é prioridade”. 

A forma de aplicação do já diminuído recurso também é questionada pelo conselho. Na LOA de 2024, o gasto com instituições privadas, com contratos de mão de obra terceirizada e substituição de servidores de carreira, cresceu. Os gastos com terceirizações chegam a 92,7% da folha da Secretaria Municipal de Saúde (SMS)– e a tendência é superar esse percentual nos próximos anos. 

Para o conselho, isso evidencia a “intencionalidade de um projeto contínuo de diminuição da força de trabalho dos servidores públicos”. Esse modelo de gestão, diz o parecer, tem produzido efeitos “nefastos de desassistência, aumento de demandas judiciais e a piora da qualidade do atendimento e dos indicadores de saúde”. 

Onde o corte será mais sentido

O relatório aponta as áreas em que os problemas de financiamento podem produzir efeitos mais nocivos. Um deles é o enfrentamento ao que se chama de “doenças e agravos prioritários”: enfermidades como sífilis, HIV, tuberculose e hepatites, cujos indicadores de Porto Alegre são historicamente problemáticos, terão reduções substanciais em suas verbas de prevenção e tratamento. O valor encaminhado é insuficiente para a manutenção de contrato de infectologistas, além de ações como a manutenção de equipamentos.

Há também uma “redução inaceitável”, conforme aponta o relatório, do financiamento da assistência de saúde mental. Um relatório da própria SMS evidencia essa insuficiência para manutenção dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),dos Serviços Residenciais Terapêuticos e contrato de psiquiatras para a abertura de novos CAPS Infantil. O valor encaminhado e aprovado pela Câmara é inferior ao executado  entre 2020 e 2023.

Outro problema citado é referente à verba destinada ao Hospital Materno Infantil Presidente Vargas. Em 2023, o hospital teve um orçamento inicial de R$ 94 milhões. Em 2024, a previsão é R$ 69 milhões, valor que pode impedir o pagamento de estagiários e anestesistas e a aplicação em  reformas estruturais necessárias ao hospital.

Prefeitura culpa governo Leite pelo corte 

Questionada pela Matinal, a pasta responsabilizou o estado pelo corte. Disse que as contas da saúde tiveram um “prejuízo muito grande” com cortes do programa Assistir, do governo estadual, que tem como objetivo ampliar o atendimento hospitalar contratando vagas para o SUS em mais de 200 instituições do Rio Grande do Sul. Prefeituras de cidades da Região Metropolitana vêm reclamando sobre perda de recursos – alertam para o risco de fechamento de serviços, caso os critérios do programa não sejam revistos.

A secretaria informa que o financiamento da saúde pública vai exigir suplementação ao longo de 2024 – e que vem buscando novos recursos e negociando com o estado o financiamento dos hospitais. “Essa suplementação, por sua vez, ficará condicionada ao ingresso de receita do município”, disse a prefeitura, informando que essa situação já ocorreu em outros exercícios financeiros recentes. 

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