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Professores contratados como técnicos: prefeitura paga 35% menos para escolas conveniadas de ensino infantil

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Professores contratados como técnicos: prefeitura paga 35% menos para escolas conveniadas de ensino infantil Reunião contou com a presença do secretário de Educação | Foto: Cristina Beck/CMPA

Os baixos repasses e a precarização dos contratos dos professores em escolas conveniadas à prefeitura de Porto Alegre, que respondem pela maioria das matrículas das crianças de zero a cinco anos, foram tema de encontro na Câmara. Educadoras das instituições parceiras lideram o “Professor sim, Técnico não”

Hoje, mais de 21,6 mil crianças de zero a cinco anos estudam em escolas conveniadas à prefeitura de Porto Alegre. A rede conveniada é quase três vezes maior que a rede própria do município: 215 instituições, entre privadas e comunitárias, ante 78 escolas municipais. Mas a importância dessa rede parceira na educação pública da capital, que ajuda reduzir um déficit de vagas na pré-escola estimado em mais de 12,3 mil, não se reflete na prática.

A hora-aula dos profissionais de uma creche da rede privada é de R$ 14, mas as escolas recebem da prefeitura R$ 9. Na carteira de trabalho, mesmo os educadores com formação em Pedagogia são contratados como técnico. Além disso, trabalham 8 horas e 48 minutos por dia, e não 6 horas, como ocorre na rede própria do município e nas escolas particulares. 

A precarização enfrentada pelos professores da rede credenciada na prefeitura dominou o debate em reunião realizada nesta terça-feira (14) na Câmara de Vereadores. Com as presenças dos secretários municipais do Planejamento e Assuntos Estratégicos, Cezar Schirmer, e da Educação, José Paulo da Rosa, representantes de escolas parceiras da prefeitura cobraram do município um aumento dos repasses para reduzir as desigualdades.

A situação tem gerado um apagão de professores e alta rotatividade na rede conveniada. Por isso, o movimento “Professor Sim, Técnico não” querem que o município reajuste os valores sob pena de as OSCs (Organizações da Sociedade Civil, sem fins lucrativos) credenciadas na prefeitura não conseguirem atender à demanda.

No encontro, promovido pelas Comissões de Economia, Finanças, Orçamento e do Mercosul (Cefor) e de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece), o secretário de Educação anunciou um aumento de 7% no repasse para as conveniadas para 2024. Mas a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Carolina Aguirre, esclareceu que esse acréscimo se refere a um acordo já previsto desde a gestão de Marchezan e visa apenas à qualificação das escolas.

À Matinal, Aguirre, que também é coordenadora da escola infantil Topo Gigio, credenciada na prefeitura, explica que o movimento reivindica que que seja reservado, no orçamento da educação, um montante destinado exclusivamente à remuneração dos professores da rede conveniada.

Em sua fala, o secretário Rosa destacou que a carência de professores não é um problema só da rede de Porto Alegre e citou um estudo do Sesi-RS que aponta que o Rio Grande do Sul terá déficit de 10 mil professores na educação básica em 2040. “Teremos apagão de professores logo à frente. Não é uma questão nossa, estão faltando professores nas faculdades de educação. Esse é um trabalho da sociedade, criar condições para que mais jovens queiram ser professores”, disse. Durante a fala, foi interrompido por alguém na plateia que gritou “bons salários”.

De acordo com a vereadora Mari Pimentel (Novo), também presente na reunião, um novo encontro ficou marcado para a próxima quinta-feira (16) entre vereadores, o secretário e representantes do fórum do CMDCA. O objetivo é acordar o valor necessário para acabar ou reduzir a desigualdade salarial na rede de ensino infantil da cidade. O recurso deverá ser contemplado por meio de uma emenda dos parlamentares para a Lei do Orçamento Anual (LOA) de 2024.

De “tio” a professor

As diferenças entre as redes que atendem a educação infantil na capital já foram apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS). Segundo um documento de 2022, 84% das matrículas em creches (0 a 3 anos) e 67% da pré-escola (4 e 5 anos) são atendidas por instituições conveniadas em Porto Alegre. Enquanto a rede própria possui 82% dos docentes graduados em Pedagogia, a rede conveniada tem apenas 25% de seu quadro com ensino superior e 52% com curso de Magistério de nível médio. 

Os primeiros convênios com a prefeitura foram feitos nos anos 1990. Para Carolina Aguirre, desde então, muita coisa mudou. “Os profissionais foram se atualizando. Eram chamados de tio, recreacionista, assistente, até chegar a técnico em desenvolvimento infantil. Não éramos escolas infantis. Houve uma evolução, mas o salário não acompanhou”, explica.

Ela conta que as OSCs querem reconhecer os profissionais como professores daqui para frente, e remunerá-los como tal. O primeiro passo foi um acordo com o Sindicato dos Professores (Sinpro) para que os profissionais sejam contratados como professores com o valor da hora-aula em R$ 9, por enquanto – hoje, os profissionais estão ligados ao Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social (Senalba/RS). 

Fernanda Paulo, da Associação de Educadores Populares de Porto Alegre (AEPPA), destacou que o ensino infantil não pode ser encarado como assistência social. “É política da educação, não é apenas cuidar. Não deveria existir escola sem professor. Na carteira da maioria dessas educadoras, elas não são docentes, mas atuam como docentes. Isso implica na aposentadoria e no reconhecimento da função para concurso para professor, por exemplo”, observou. “Sem o repasse da prefeitura, não tem como fazer o pagamento nem o reconhecimento dessas professoras”.

Fernanda também destacou a importância de estimular a graduação em Pedagogia entre as educadoras que ainda não têm diploma. E observou que a rede conveniada atende, em sua maioria, crianças da periferia. “Quando não tem investimento na primeira etapa de ensino, estamos escolhendo fazer uma educação pobre para pobre”, afirmou.

Previsão de novas vagas fica sem resposta

Um dos objetivos do encontro era também conhecer a previsão de vagas de educação infantil a ser ofertadas pela prefeitura em 2024. Mas o titular da Smed não detalhou os números, apenas informou o total ofertado no período de rematrícula e novos ingressos, que se encerrou nesta semana: 29 mil, um pouco a mais do que havia no início deste ano letivo, 28,1 mil. O executivo trabalha hoje com uma fila de espera de cerca de 5 mil crianças de zero a cinco anos. Mas um levantamento exclusivo da Matinal apontou que a prefeitura precisa criar 12 mil vagas de educação infantil para atender meta do Plano Nacional de Educação (PNE).

Na reunião de ontem, o secretário informou que o edital que deve ampliar a rede credenciada será lançado ainda em novembro e terá foco em regiões periféricas, onde a demanda é mais alta.

Também anunciou a retomada do bônus berçário, no valor de R$ 359, pago por cada criança maticulada na rede conveniada. A medida visa estimular o atendimento a bebês. Hoje o valor pago para subsidiar os profissionais é o mesmo tanto para quem atende no berçário quanto para quem atua nas turmas de Maternal e Jardim, mas há uma diferença grande para as escolas do ponto de vista financeiro. Enquanto no berçário é preciso ter um profissional para cada cinco bebês, o índice chega a 1 por 22 nas turmas de Jardim.

Para Mari Pimentel, embora seja “positiva” a notícia do bônus, o anúncio é “pouco eficiente” para solucionar o déficit de vagas na cidade. “Nós sequer atendemos as crianças de 4 e 5 anos, que é idade obrigatória. E quanto ao edital, já deveria estar pronto”, observou.


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