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Sem apoio da prefeitura, comunidade se une para salvar escola comunitária que atende 78 crianças

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Sem apoio da prefeitura, comunidade se une para salvar escola comunitária que atende 78 crianças Foto: Gregório Mascarenhas / Matinal

Piso da Escola de Educação Infantil Acomur começou a ceder com as chuvas de setembro, e Dmae condenou o prédio, sugerindo sua demolição. À Matinal, Secretaria Municipal de Educação, que lida com um déficit 6 mil vagas em creches, disse que não pode arcar com reparos em instituições conveniadas.

Desde 18 de setembro, o telefone de Luiz Fernando Souza Fagundes não para de tocar. Presidente da Escola de Educação Infantil Acomur, localizada no bairro São José, Luiz recebe diariamente dezenas de ligações dos pais das 78 crianças que estão sem aula desde que o piso do refeitório afundou com as chuvas de setembro, e a escola comunitária, fundada há 35 anos, teve de fechar as portas. “Todos querem saber quando reabriremos, mas não sabemos”, lamenta Fagundes.

Um laudo da Defesa Civil indicou que o estabelecimento não poderia continuar recebendo crianças por risco à segurança. Com laudo em mãos e levando em consideração que Acomur presta um serviço ao município, Fagundes bateu à porta da prefeitura para buscar recursos, confiante de que receberia apoio para realizar as obras de reparação, orçada em 21 mil reais. Estava enganado. O governo municipal deu-lhe as costas, informando que o problema não é da sua alçada. “Eles não arcam com manutenção”, lamenta Fagundes.

Procurada pela Matinal, a prefeitura justificou sua posição com a alegação de que não pode se responsabilizar por obras em escolas conveniadas e que não há subsídio público para consertos. “Há um problema estrutural que precisa ser reparado pela administração da escola. Estamos em contato com a instituição para orientá-los na busca de uma alternativa rápida que viabilize a retomada do atendimento às crianças”, disse em resposta à Matinal

Além de não ajudar, a prefeitura, por meio de um de seus braços, o Dmae, ainda propôs que a escola permaneça fechada para sempre. Em visita à escola, técnicos do departamento sugeriram que a Acomur fosse demolida, por ter sido construída sobre um córrego, o que é irregular. Em nota à Matinal, o departamento disse que visitou a escola e entregou um laudo à Smed. Nele, sugere que a escola tem de ser demolida, a despeito da sua importância para a comunidade. A autarquia não avisou à direção da escola sobre a conclusão do laudo.

“Sobre a tubulação, que está localizada a cerca de 1,5 metro de profundidade do refeitório da escola, foi construída pelos próprios moradores. Na ocasião (da visita do Dmae), técnicos informaram a necessidade de um laudo técnico e posteriormente a demolição do local. Nessa situação, a responsabilidade da demolição é da própria escola. A área está cadastrada junto ao Dmae como córrego, não sendo permitida a construção”, informou.

Fagundes sustenta que o prédio foi construído legalmente, tem habite-se e está com IPTU em dia. Há, segundo ele, entre 40 e 50 casas assentadas na mesma linha de terreno da tubulação.

Sem Acomur, fila da creche aumenta

A falta de linhas de financiamento ou recursos para reparos da rede conveniada surpreende devido à importância das escolas privadas e comunitárias para suprir o déficit de vagas na educação infantil. A rede conveniada é hoje quase três vezes maior que a rede própria em Porto Alegre. As 78 escolas municipais atendem a 6.945 crianças de zero a cinco anos, enquanto as 215 instituições conveniadas, entre creches privadas e comunitárias, como a Acomur, respondem pelo triplo das matrículas: mais de 20,6 mil segundo dados de 2022.

A fila para conseguir uma vaga em creches públicas ultrapassa soma 6,3 mil crianças. Neste ano, mais 2 mil famílias entraram para a lista de espera e se somaram as que já aguardavam por vagas em escolas de educação infantil da capital.

Este número, porém, pode estar subestimado segundo a Defensoria Pública e o Tribunal de Contas (TCE-RS), já que muitas pessoas deixam de se inscrever, pois sabem de antemão que não haverá oferta. Em abril, quando ocorreu o edital de credenciamento para novas instituições conveniadas, apenas 27 escolas se inscreveram, totalizando 375 novas vagas, o que cobriu apenas 6% da defasagem.

Vaquinha para o conserto mobiliza comunidade

Abandonados pelas autoridades, os moradores do bairro São José estão tentando levantar fundos entre eles próprios para salvar a escola – e assegurar o direito das crianças à educação, uma responsabilidade legal que cabe ao poder público municipal. Hoje, o município investe um valor mensal de R$ 600 por criança, e a escola precisa custear desde o financiamento para contratação de profissionais, passando pela alimentação, até manutenção e eventuais obras.

A doceira Simone Nascimento, que vive a poucos metros da escola, em uma rua íngreme do bairro São José, tem se virado como pode para dar atenção à filha Ana Vitória, de quatro anos. Ela diz que seu caso não é dos piores – como trabalha em casa, pode ficar com um olho na filha e outro na produção. Mas percebe a menina inquieta. “Ela busca por uma atenção como a que tem na creche, da equipe e dos colegas. Percebo que sente saudades daquela rotina. Há uma quebra no aprendizado e no hábito de ir à escola, de socializar”, relata.

Como não há precisão para o término da obra, a direção da escola cogita adiantar o período de férias. Enquanto tenta angariar fundos e mão de obra voluntária para trabalhar no conserto, Fagundes solicitou à Smed o remanejamento das crianças para outras instituições. No caso das famílias mais carentes, doa cestas básicas e leite em pó para a alimentação. “É uma correria para resolver tudo”, garante o presidente da Acomur. A escola recebe doações de pessoas físicas e empresários.

A Acomur é conveniada com a Smed desde 2016, mas foi fundada em 1984. Antes de ser creche, atendia crianças de sete a 14 anos, no contraturno do período escolar. “Quem fundou a escola, hoje pessoas de mais idade aqui da região da vila São José, tinha preocupação com a alimentação das crianças e adolescentes. É uma história muito bonita, e fazemos esforço para dar continuidade a esse trabalho. As crianças atendidas aqui há quase 30 anos passaram a trazer seus filhos – há até um caso de três gerações”, conta Fagundes. Vários funcionários, como é o caso do presidente, atua como voluntário.


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