Reportagem

UFRGS recebe acervo de Oliveira Silveira

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UFRGS recebe acervo de Oliveira Silveira Naiara na sala que agora abriga o acervo do pai. Foto: Sátira Machado

Promessa feita em 2021 pela gestão Melo sobre sede para instituto que leva o nome do poeta gaúcho não avançou 

Um dos idealizadores do Dia Nacional da Consciência Negra, Oliveira Silveira retorna à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Morto em 2009, o poeta gaúcho tem, enfim, um espaço dedicado a seu acervo pessoal, na sala 408 da Faculdade de Educação (Faced).

São cerca de 21 mil itens, entre documentos diversos, que vão de livros, jornais e fotografias até peças de vestuário, objetos decorativos e instrumentos musicais. O material estava, até então, sob os cuidados da família de Oliveira, que até hoje aguarda a gestão de Sebastião Melo (MDB) cumprir a promessa de uma sede para o Instituto Oliveira Silveira (IOS), criado em 2021 e presidido pela filha do poeta, Naiara Rodrigues Silveira.

Acervo do poeta Oliveira Silveira (Fotos: Flávio Dutra/Jornal da Universidade)

A conquista foi uma articulação entre o setor Memória Faced, a Universidade Federal do Pampa e o IOS. “Para mim é um presente. Meu pai sempre se sentiu bem na UFRGS, então é como voltar para casa”, disse ela, lembrando que Oliveira se formou em Letras na instituição, que também acolheu diversas reuniões do Grupo Palmares e outros eventos, como lançamentos de livros.

O professor José Antônio dos Santos destaca o potencial do material especialmente para a área de Educação das Relações Étnico-Raciais da Faced. “É um reconhecimento do impacto do Grupo Palmares de Porto Alegre no sistema de ensino brasileiro”, resume o historiador. Biógrafa do poeta, Sátira Machado informa que a ideia é que os materiais estejam acessíveis também ao público externo. “Estamos pensando em estratégias para viabilizar o acesso à comunidade. Isso será decidido em parceria com as universidades e o instituto”, explica a professora, que coordena o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) do Campus Jaguarão da Unipampa. 

Uma parte pequena do acervo de Oliveira – basicamente cópias, segundo Sátira – já estava no Instituto Estadual do Livro, órgão vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, e no Memorial Oliveira Silveira, na Casa de Cultura Mario Quintana. 

Prefeitura não cumpriu promessa de sede

Desde 2021, ano do cinquentenário da criação do 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, a prefeitura de Porto Alegre promete um endereço para o Instituto Oliveira Silveira. Mas até agora, faltando menos de um ano e meio para o final da gestão Melo, não houve avanços, conforme a família. “Eu não estou mais acreditando, infelizmente”, diz Naiara.

Ela lamenta que não exista um espaço na cidade dedicado à cultura e à história do povo negro. “É uma vergonha que uma cidade como Porto Alegre, onde nasceu o 20 de Novembro, não tenha um lugar onde se possa conhecer essa história”, diz. Naiara cita ainda a falta de um local para outras iniciativas, como o Sopapo Poético, sarau de poesia negra que faz parte da Associação Negra de Cultura. “Estamos sempre pedindo favor para fazer um evento aqui, outro ali”, queixa-se.

O sarau costumava ocorrer no Centro de Referência para o Negro, espaço localizado na Avenida Ipiranga que inicialmente seria a sede do IOS e poderia receber o acervo do poeta. Mas, segundo a coordenadora de Direitos e Promoção da Igualdade Racial do município, Adriana Santos, uma avaliação de engenheiros da prefeitura constatou problemas estruturais no imóvel que representam risco de queda e levaram ao seu fechamento em 2021.

Centro de Referência do Negro fica na Avenida Ipiranga | Foto: Helena Rocha/PMPA/2018

Adriana lamenta o que chama de “morosidade burocrática” no processo de disponibilizar a sede ao IOS, mas reafirma o compromisso da atual gestão. “Qualquer que seja o local que a prefeitura venha a constituir para abrigar a pauta cultural e de educação negra, lá haverá espaço para o Instituto Oliveira Silveira conforme prometido, se a família assim desejar”, afirmou ao Matinal. 

A coordenadora reconhece a necessidade de mais espaços para a cultura negra na capital e revela que a prefeitura está elaborando um edital, que deve ser publicado em agosto, para gerenciar um “hub de cultura e inovação negra”. “O espaço poderá abrigar ações como por exemplo o Sopapo Poético, além de cursos, seminários, exposições”, cita. De acordo com Adriana, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social conta ainda com uma verba que está sendo negociada com o Banco Mundial para que seja possível criar um complexo que abrigaria iniciativas como o próprio IOS e o Museu da História e da Cultura do Povo Negro, cujo projeto foi aprovado em lei de 2010 mas nunca saiu do papel.

A reivindicação de espaços dedicados à história da luta negra, contudo, é muito anterior. Naiara conta que ainda nos anos 80, durante o governo de Alceu Collares, foi prometido um lugar para celebrar a cultura negra e reunir iniciativas da comunidade. “Foi nessa época que foi criada a Associação Negra de Cultura. Já são 35 anos de espera”, lamenta.

Enquanto as promessas do poder público não são cumpridas, Naiara comemora o acordo com a UFRGS e reforça a importância da coleção de Oliveira estar à disposição de todos: “Meu pai organizou esse acervo riquíssimo para a comunidade. Não deixou para mim nem para ficar entre quatro paredes”.

A história do 20 de Novembro

O Dia Nacional da Consciência Negra nasceu no Clube Marcílio Dias, um dos mais populares clubes sociais negros de Porto Alegre na época, em 20 de novembro de 1971. A data foi escolhida por marcar a morte de Zumbi de Palmares, em 1695, referência de luta para movimento negro e cuja homenagem estendeu-se ao nome do coletivo que idealizou a data, o Grupo Palmares.

O coletivo do qual fazia parte Oliveira Silveira não se conformava com o fato de que 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea, era considerado um dia de combate ao racismo. Por isso buscaram uma data que tivesse mais significado para o movimento negro. Para Sátira Machado, “o 20 de novembro celebrado, replicado, e sendo multiplicado para Brasil inteiro a partir de 1978, quando foi reconhecido pelo Movimento Negro Unificado, colocou na agenda política nacional que é importante fazer políticas públicas de igualdade e equidade racial para aquilo que não foi dado no 13 de maio”.

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