Tradição pelo consumo de carne acaba pesando no bolso do consumidor gaúcho
Que Porto Alegre tem uma das cestas básicas mais caras do Brasil – e recorrentemente ficando em primeiro lugar nesse ranking – já não é novidade. E, pudera, o conjunto de alimentos necessários para o mês também vem tendo uma aceleração de valor acima da média na comparação com outras grandes cidades do Brasil. Deixando o economês de lado, o Matinal levantou três pontos que explicam o porquê de comer na capital gaúcha costuma ser mais salgado do que no resto do Brasil.
Antes, contudo, vamos entender o contexto atual do preço da cesta básica.
Cesta mais cara e uma das que mais inflacionou
Em setembro, Porto Alegre teve a segunda cesta básica mais cara entre todas as capitais do país, segundo dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). A capital gaúcha havia tido o preço mais alto do Brasil em agosto, e viu São Paulo alcançar o posto neste mês. Pelos últimos cálculos, o aumento mensal em Porto Alegre foi 1,16%, o nono maior entre as 17 cidades analisadas, fazendo o preço chegar a 66% do salário mínimo. Em 12 meses, o custo do grupo de alimentos básicos para um cidadão porto-alegrense já aumentou 21,62%, a terceira maior variação entre as capitais, atrás apenas de Brasília (38,56%) e Campo Grande (28%). Na outra ponta, o menor aumento aconteceu em Salvador (4,25%), seguido por Recife (5,4%) e Aracaju (6,3%)
Para Daniela Sandi, técnica do Dieese, produtos naturais, como batata e tomate, têm sua produção muito impactada por questões sazonais, como clima, safra e ciclos de produção mais curtos, o que ajuda a explicar o aumento acentuado.
O cenário econômico atual também afeta no preço da carne, ainda que 2021 deva ter a menor taxa de consumo no Brasil em 25 anos. De acordo a Companhia Nacional de Abastecimento, isso se deve ao sucesso das exportações e a inflação nos insumos. “A baixa oferta de animais para abate no campo, e o desempenho recorde das exportações, impulsionado pelo aumento da demanda, em especial para a China, somada à desvalorização do câmbio e à valorização das commodities, resultou no encarecimento dos preços no mercado doméstico. Os altos custos dos insumos, como farelo de milho e soja, também têm influenciado no preço médio do produto”, explica Sandi.
Ponto 1) Aumento do preço da carne é ainda mais impactante para os gaúchos
O dado é especialmente importante em Porto Alegre, porque a cesta básica do Dieese é diferente em cada região, variando conforme os hábitos alimentares de cada uma. Na capital gaúcha, a cesta básica é composta por 6,6 kg de carne, enquanto estados como Pernambuco, Bahia e Amazonas têm um valor-base de 4,5 kg.
Ponto 2) O ICMS gaúcho
Há ainda a questão tarifária. Com um ICMS médio maior do que grande parte dos Estados, os custos no Rio Grande do Sul tendem a ser mais altos. “Esse é outro elemento que pode ajudar a explicar. Atravessando o Mampituba (rio que separa o Rio Grande do Sul de Santa Catarina), a gasolina é mais barata. Os Estados têm diferentes taxas de ICMS sobre o combustível, e essas pequenas diferenças têm impacto em uma cadeia de grande escala”, avalia o economista Ely Mattos, professor da Escola de Negócios da PUCRS. Ele também afirma que o fato de o Rio Grande do Sul ter uma renda média maior do que a maioria dos Estados faz com que haja uma pressão da demanda nos preços.
Ao menos neste ponto, há um sinal de alívio para os próximos meses. Em setembro, o governador Eduardo Leite encaminhou à Assembleia o projeto de Lei Orçamentária Anual, no qual prevê a redução das alíquotas do tributo. O Legislativo tem prazo legal de até 30 de novembro para apreciar a matéria e devolvê-la para sanção.
Ponto 3) Salário mínimo perdeu valor em todo o Brasil
De acordo com Mattos, no entanto, mais do que o aumento no valor, é necessário analisar o impacto da cesta básica no salário mínimo. O cálculo também é feito pelo Dieese, que se baseia no valor da cesta básica mais cara do país (no caso, a de Porto Alegre) e divulga o valor do “salário mínimo ideal”, que seria suficiente para suprir as necessidades de uma família de quatro pessoas.
Em 10 anos, exemplifica Mattos, o salário mínimo ideal foi de um valor que representava 4,2 vezes o valor real (o cálculo de salário mínimo ideal do Dieese em 2011 era de R$ 2.278,77 em relação a um salário mínimo real que era de R$ 545 à época) para um valor que é mais de 5 vezes maior do que o valor real (R$ 5.657,66 nos cálculos de setembro de 2021, em relação ao salário mínimo atual, de R$ 1.100). Ou seja, o dinheiro passou a valer menos. “Isso é uma informação potente, porque retrata uma perda importante do salário mínimo”, avalia o economista.