Entrevista

Airton Tomazzoni: Peixe vivo

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Airton Tomazzoni: Peixe vivo

Tive o prazer de trabalhar com o Airton Tomazzoni, uma figura multifacetada que trabalha como poucos outros – em quantidade e qualidade. Depois de termos tido essa experiência compartilhada, na Secretaria municipal de Cultura de Porto Alegre, nos anos 1993 a 1996, sigo sabendo dele por amigos e pelas ditas redes sociais. 

Numa dessas soube do livro que estará lançando precisamente hoje, dia 18 de março, às 17h30min, no Coletivo Olho Mágico (Rua Cauduro, 35), em Porto Alegre, seu primeiro livro, uma beleza chamada Dentro do olho do peixe (editora Bestiário). Li com muito gosto e um espanto pela originalidade dos textos, da abordagem, das imagens, dos delírios, das sacações. Espanto que de fato nem deveria existir, porque sei que o que ele faz sempre é bom, certo, bacana, de qualidade.

Jornalista, mas antes tendo estudado Química, roteirista e doutor em educação pela UFRGS, e pelo meio de tudo isso coreógrafo, o Airton é dessas pessoas que vale a pena conhecer – agora por escrito. O livro faz parte de um projeto mais amplo, de que se pode saber mais aqui, projeto que inclui uma versão em áudio dos textos do livro.

Mandei umas perguntas por escrito ao Airton, que as respondeu prontamente, mesmo estando com uma dessas gripes que atrapalham a vida.


Parêntese –  Airton, continuas fazendo mais coisas do que o tempo real permite? Como anda a tua atividade profissional?

Airton Tomazzoni – (Risos) Pois então, a escrita teve que ir ocupando umas frestas e por isso talvez demorou tanto para virar uma realidade. Sigo como diretor do Centro Municipal de Dança da Secretaria da Cultura e Economia Criativa. E nisso está incluso a retomada da Companhia Municipal de Dança, as aulas do Grupo Experimental, projetos como “Dança comunidade”, “Quartas na dança”, o Prêmio Açorianos, as Escolas Preparatórias de Dança, a “Mostra Verão”, o ‘‘Memória Dança POA’’… E nos últimos tempos acabei compondo a equipe da direção artística do “Porto Alegre em Cena”. 

Sigo como professor de História da dança na pós-graduação da PUC, integrando bancas de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRGS, publicando o blog Cena.txt e me distraindo no @cronicamente_, pra descobrir se o Instagram é apenas para fotinhos lacradoras ou se poderia ser um espaço também para escritos e leituras no limite dos 2.400 caracteres.

E agora também incluindo na agenda essa aventura de investir na cultura do litoral com a criação em 2020 do Núcleo Imagem e Dança de Imbé (NIDI), que produziu o documentário “Um mar de danças – cartografias do litoral norte e sete episódios de Litorâneas – femininos possíveis em dança”.

P – Aproveitando: conta um pouco da tua formação acadêmica e profissional.

AT – Pois quase fui químico industrial, larguei no último ano na UFRGS. E acabei migrando pro curso de direção teatral no DAD-UFRGS e Jornalismo PUC-RS, lá em 1990. Por essas veredas, atuei em algumas peças, como a primeira versão brasileira de “Elle”, do Jean Genet; frequentei as Oficinas do Assis Brasil; integrei a equipe do suplemento O Continente; fui trabalhar na Coordenação do Livro e Literatura da então SMC lá em 1994, que tinha um bocado de projetos bacanas como “Brincando com as Palavras”, a revista Porto & Vírgula, o “Poetar”, aqueles saudosos seminários dos sábados pela manhã no Teatro Renascença. Aliás, graças à tua confiança e incentivo, coordenei muitos desses projetos, inclusive aquela aventura maluca de um jornal diário na Feira do Livro, que acabou sendo um sucesso com edições disputadas a tapa.

E achei que por aí iria ficar quando arrisco umas aulas de dança e acabo bailarino do Ballet Phoenix. E nisso o professor Luiz Paulo Vasconcellos me chama pra atuar na Coordenação de Artes Cênicas e criar o Anuário de Artes Cênicas, o jornal Palco & Plateia e começar alguns projetos de dança.

A dança foi assim gradualmente ganhando um protagonismo, especialmente quando sou aprovado no concurso para professor da UERGS em 2001, que me levou ao mestrado em Processos Midiáticos na Unisinos,  doutorado em Educação na UFRGS e a assumir o Centro Municipal de Dança desde 2005.

P – Teu livro foi tramado durante a pandemia, como diz a abertura. Como foi que sobrevivemos àquela loucura? Foi pesado para ti? E foi barbada encontrar esse veio criativo que resultou no livro?

AT – No meu caso foi literalmente sobreviver, pois tive Covid em 2020 quando ainda não havia vacina e foi apavorante, toda hora vendo aumentar o número de mortos. Foi uma situação de um certo renascer e uma pausa forçada num ritmo alucinante que sempre marcou minha vida. Mas enfim, um reencontro com o tempo, coisa que possibilitou remexer escritos, realizar um desejo de viver perto do mar e poder decidir concluir o que parecia ser um impossível livro.

Encontrar o veio da escrita não foi difícil nessas condições, mas ainda tinha que enfrentar minha impaciência em me demorar muito tempo numa única coisa e recusar outras demandas criativas. Vencer a pressa, retomar muitas vezes, dar o tempo e mais que tudo não ser derrotado pela autocrítica. Eu sempre escrevi sobre escritores e escritoras, ensaios, resenhas, artigos, entrevistas, mas me colocar nesse lugar não foi pacífico.

P – A personagem que pensa/fala no livro é (quase sempre) uma menina, que tem uma relação íntima e intensa com peixes. De onde saiu esse ponto de vista, essa âncora narrativa?

AT – Esse ponto de vista veio de tentar encontrar algumas perspectivas que eu tivesse alguma intimidade para explorar.

A primeira foi retomar o meu fascínio pela zoologia, pelo mar e seus habitantes, que me fez um estudante feroz ainda guri de tudo que caía nas mãos, de almanaques a enciclopédias, incluindo a coleção que ainda guardo, de cinco grandes volumes ilustrados: Os bichos.

Eu sabia bastante dos seus nomes, de onde vivia cada espécie, do que se alimentavam, peculiaridades anatômicas e de comportamento. 

Com isso fui buscar o olhar da menina, para trafegar por esse emaranhado de referências e ao mesmo tempo escapar da primeira pessoa e suas ciladas.

Por último, achei que poderia incorporar essa perspectiva infantil de olhar o mundo, um olhar distante do estereótipo da inocência e, sim, rico no fascínio de se atrever a olhar o mundo sem pudores e contando mais com a descoberta e o imaginar do que com as certezas e saberes rígidos.

P – No “Prefácio para o amigo esquecido”, ficamos sabendo que ela “decidiu escrever para os peixes”. Como assim? Tu tinhas na cabeça o Sermão de Santo Antônio aos peixes, do padre Vieira?

AT – Eu buscava o improvável, e quando me deparei com um sermão para os peixes foi um achado. Uma pregação praieira num continente desconhecido. Fiquei dias com essa imagem na cabeça. Um cara atravessa oceano e tem aquela imensidão quando chega, uma solidão frente aquela vastidão ali na frente.

Ao mesmo tempo tinha esse monte de palavras proferidas a quem não seria um público provável.

Talvez fosse a condição na qual me via.

P – E o tom de fábula: foi um caminho natural para a produção dos textos? Ele combina com o imenso investimento emocional que o livro faz no ponto de vista de criança, né?

AT – Fui me dando conta na escolha de textos com personagens de animais e a tentativa de ensinamentos meio enviesados, de moralidades suspeitas.

Além disso, tinha esse investimento emocional da criança nesse vínculo de organizar o mundo por narrativas com a capacidade de fazer o inverossímil se tornar de certa forma crível. E, ao mesmo tempo, a gurizada tem uma coragem (talvez por essa fabulação toda) de inventar quando não tem conhecimento das coisas. E isso é uma abertura fantástica para ficcionar e dar um real interesse a tudo que nos cerca.

E não só ao que é lúdico, mas também perverso e cruel, que não é alheio ao infantil.

P – E o que vem por aí, agora que tu tens esse lindo livro publicado? Mais outros?

AT – Com um incentivo desses, já me sinto no compromisso! Como tenho dito, fiz esse encontro com um tempo da escrita e não pretendo parar por aqui. Acho que essa publicação foi um exercício e gostaria de amadurecer mais os textos.

Então tem uns textos extraviados e outros alinhavados de uma prosa nonsense nas redes sociais com Deus. 

E tem um trabalho dirigido ao público infantil inspirado na fauna praieira, que gostaria muito de produzir.

Mas eu tenho o desafio ainda de encontrar uma forma que me satisfaça. Porque tenho dificuldade de fazer textos longos e um certo receio dos textos curtos. E também não sei bem o que eles são às vezes.

E sinto que para outros textos tem uma ideia que exige ir além da brevidade que usualmente produzo. Daí faço loopings e me pergunto: por que não insistir nas brevidades?

O bom é que enquanto não chego a alguma conclusão provisória, vou escrevendo assim mesmo. Perdi a vergonha, como diria minha avó

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