Memória

Os Locais: Travessa dos Venezianos

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Os Locais: Travessa dos Venezianos

Simpática quadra de casas de porta-e-janela, na Cidade Baixa, tombada pelo patrimônio histórico, é uma travessa mesmo, um lugar de atravessar, entre as ruas Joaquim Nabuco e Lopo Gonçalves.
A uns cem metros dali começava a Ilhota, território negro e pobre da cidade, onde nasceram Lupicínio Rodrigues e Tesourinha, dois destacados porto-alegrenses que permanecem na memória coletiva.
Por que Venezianos? Muito possivelmente por causa da agremiação desse nome, que rivalizou com a Sociedade Esmeralda no carnaval de Porto Alegre, a começar na década de 1880 – antes, portanto, que o samba encontrasse essa festa popular, o que só vai ocorrer na virada do século.



Lourdes Rodrigues
Uma das grandes vozes do tempo do rádio, nasceu em Santa Maria em 1938, veio para Porto Alegre com poucos anos e aqui viveu até falecer, em 2014. Chegou a cantar no famoso programa de calouros na TV Tupi, quando lhe foi oferecido um contrato polpudo. Impedida pelo pai (era menor de idade ainda), restou-lhe se profissionalizar em Porto Alegre, apadrinhada por Lupicínio.

Rubens Santos
Carioca, nascido em 1909, Rubens Santos foi parceiro de Lupicínio em alguns sambas, depois que ele aportou na capital gaúcha em algum ponto dos anos 1950. Cantor de rádio, sambista interessado no carnaval, faleceu em agosto de 2000, na cidade que adotara.

Plauto Cruz
Tão flautista que quase podia se chamar Flauto, nasceu em São Jerônimo em 1929. Com a família veio para a capital em 44, tornou-se músico profissional na Era do Rádio. Compositor também, Plauto foi um chorão de grande qualidade. Faleceu em 2017.

Túlio Piva
Nascido em Santiago do Boqueirão, no mesmo ano de Lupicínio, mas numa terra mais próxima do tango do que do samba, começou a compor em 1940 e produziu algumas pérolas do cancioneiro popular sulino, com “Tem que ter mulata”, “Gente da noite” e “Pandeiro de prata”. Sua peculiar batida, com a mão direita, no violão, era marca registrada. Faleceu em 1993. Seu nome batizou um teatro na cidade.

Zilah Machado
Nascida na mesma Ilhota de Lupicínio, em 1928, estudou canto e música mas sua grande capacidade como soprano foi bloqueada pelo preconceito racial. Trabalhou como empregada doméstica e aprendeu corte e costura. Casou cedo, teve filhos e desenvolveu carreira no rádio, com viagens, altos e baixos. Por muitos anos cantou na noite. Morreu em 2011.

Lupicínio Rodrigues
Caso raríssimo de porto-alegrense de sucesso nacional como cancionista, um sambista de dicção conhecida imediatamente, Lupicínio nasceu em Porto Alegre, na Ilhota, em 1914. O bairro foi extinto com a retificação do arroio Dilúvio, nos anos 1940, que secou os dois cursos d’água que marcavam a região, lembrando uma ilha. Os moradores da Ilhota foram removidos nos anos 1970 para a remota Restinga.
Lupicínio estourou no sucesso pelos vinte anos, com “Se acaso você chegasse”, que marcaria um de seus temas fortes, a traição da mulher ao homem. Por isso, seus sambas dialogam não (só) com o samba carioca da época, mas com o tango platino.
Faleceu sessenta anos depois. Quando a Bossa Nova apareceu, a obra de Lupi e de outros sambistas da geração foi posta para escanteio. Mas Lupi teve uma releitura por Caetano Veloso, ícone da vanguarda jovem, que ralentou o velho xote “Felicidade” e a repôs em circulação, agora como uma toada melancólica inesquecível.


Edgar Vasques é formado em arquitetura e aposentado no mesmo dia, chargista, cartunista, caricaturista, quadrinista, aquarelista e ilustrador, autor da série “Rango” (desde 1970) e das ilustrações do “Analista de Bagé” (com Luis Fernando Verissimo), entre outras coisas em 51 anos de carreira. Atualmente publica o “Rango” no mensário Extra Classe (Porto Alegre).

Luís Augusto Fischer é professor de Literatura na UFRGS, autor de, entre outros, “Dicionário de porto-alegrês” e “Literatura brasileira: modos de usar”, ambos pela L&PM. É editor da revista Parêntese.

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