Desculpas ao Rei Pelé
Quis o destino que o maior jogador de futebol de todos os tempos, declarado como o atleta do século, fosse um negro. Nascido no Brasil, um dos países mais RACISTAS do MUNDO, Edson Arantes do Nascimento encantou o mundo aos 17 anos, sendo o jogador mais jovem a disputar uma Copa do Mundo, marcando gol na sua estreia e na final, quando o Brasil ganhou a sua primeira Copa, apagando um capítulo muito triste da Copa de 1950 no próprio Brasil.
O Rei Pelé ainda foi Campeão Mundial Interclubes pelo Santos, em 1962 e 1963, consagrou-se tricampeão pela Seleção Brasileira, ganhando as Copas de 1958, 1962 e 1970 – na Copa de 1966 saiu lesionado da competição de tanto apanhar dos adversários.
Com tantos títulos e recordes no Futebol, Pelé se tornou um garoto-propaganda, participou de filmes, comerciais e novelas. Se tornou um cidadão do Mundo. Mas como qualquer ser humano também cometeu seus erros, pagou um preço muito alto ao não reconhecer uma filha e ficou marcado na paleta, como se todos os seus títulos e conquistas fossem apagados por alguns erros humanos.
Já fui muito crítico, pensando que o Rei do futebol tenha tido um comportamento omisso ao não levantar a bandeira contra o RACISMO, por nunca ter sido um militante ou uma personalidade que lutasse pela igualdade. Cometi um erro gravíssimo, primeiro por julgar, e segundo pela minha própria cegueira da raiva, ao pensar isso e expressar. Pelé foi um militante, causou inúmeras polêmicas ao se posicionar lutando contra o RACISMO, numa época em que não havia esse movimento antirracista tão forte e reforçado pelas mídias, como nos dias atuais.
Pelé foi Ministro dos Esportes no Governo FHC, criou a Lei Pelé para que os jogadores não fossem “escravos” eternos dos clubes e pudessem ter suas cartas de alforrias através da Lei do Passe, como fez o seu amigo Afonsinho na década de 70, que comprou o seu próprio passe e o alugava aos clubes, tendo autonomia e liberdade de fazer seu próprio contrato.
Pelé foi um baita cidadão, uma liderança Mundial, que pode ser mencionado no hall da fama de grandes nomes como Mohamed Ali, Martin Luther King, Malcom X, Mandela e outros.
Por arrogância e desconhecimento, caí nas armadilhas colonizadoras de estar o tempo todo em confronto e cobrando mais e mais de quem está numa posição pública, dita favorável. Esta foi uma tática usada para manutenção de poder dos senhores escravagistas, alimentar o ódio entre os negros para que não houvesse a ideia de união, confrontando os mais novos contra os mais velhos, as mulheres contra os homens, os mais claros contra os mais escuros e assim sucessivamente.
Peço desculpas ao Rei Pelé, que assim como qualquer outro ser humano cometeu seus erros e injustamente pagou um preço muito maior, por ser negro. Lideranças negras que ganharam notoriedade acabaram sendo mortas. Quem sabe aí foi o grande gol do Pelé, se manter vivo e levar sua categoria através do futebol como um ato político para combater o RACISMO. Frequentar espaços em que jamais um negro havia estado, ser capa de revistas, ser exemplo para que muitas crianças e adolescentes negros pudessem sonhar um futuro melhor para suas famílias.
Cartão vermelho pra mim, que pensei de forma colonizadora. Minha imaturidade me colocou nesse lugar tão vil, de questionar quem colocou seu corpo negro como um agente da luta antirracista, fazendo da sua maneira, sem alardes, proporcionando alegria e esperança para um povo tão massacrado.
Pelé errou? Errou, como qualquer outra pessoa! Ídolos são humanos, ídolos não são deuses e muito menos perfeitos. Devo considerar também as dificuldades da época, o Golpe militar e tudo mais que causava medo, como o exílio, a tortura, a morte, a perseguição.
Pelé foi um gênio, um craque incontestável de um estilo que surgiu no Brasil, numa época que quando havia o ingresso de negros nas equipes, eles só podiam participar das equipes se dessem uma modificada no visual, tendo que alisar os cabelos e passar pó de arroz no rosto, para parecerem brancos.
As primeiras participações do Brasil em Copas do Mundo foram desastrosas, sendo que na Copa de 1950 a culpa toda caiu nas costas do goleiro, Barbosa, um homem negro, que pagou a maior pena em vida nesse país, foi condenado até sua morte.
Não há comparações, e quem ousar fazer isso é único e exclusivamente por ser RACISTA, de tentar a todo custo não aceitar a unanimidade, que nesse caso não é burra, mas sim absoluta. Pelé parou guerra, foi ator, foi comentarista de televisão, foi ministro dos esportes, foi o verdadeiro Rei Negro Brasileiro.
Pelé já estava nos acréscimos, e no dia 29 de dezembro de 2022 a partida encerrou com um Golden Gol espetacular.Descanse em Paz. 🙏🏾
Márcio Chagas é ex-árbitro de futebol, ativista antirracismo, professor de Educação Física, pai do Miguel e da Joana.
