Arthur de Faria | Nossos Mortos

Luis Vagner do início ao meio

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Luis Vagner do início ao meio

Ao lado d’Os Cleans, a primeira grande banda do rock gaúcho – então basicamente instrumental – foi a The Jetsons. Há quem afirme que foram os primeiros a cantar, mas a maior autoridade em rock gaúcho, o saudoso Mutuca (Carlos Eduardo Weyrauch) garantia que eles frequentavam os ensaios d’Os Cleans para ver como é que se fazia. 

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Luis Vagner, Franco Scornavacca, Luis Ernane Guimarães, Edson Da Rosa.

Não importa. 

O fato é que os Jetsons eram liderados por um molequinho fabuloso: um guitarrista negro de 15 anos de idade, nascido em Bagé em 20/04/1948, mas vindo de Santa Maria. 

Seu nome? Luis Vagner Lopes. 

Ele fora batizado em homenagem a Richard Wagner. Daí é fácil concluir: sim, seu pai era músico. Violinista, saxofonista e clarinetista de várias big bands que se apresentavam principalmente nos clubes exclusivos para negros da região central do estado. E esse era seu mundo de criança: ouvir as orquestras do pai ao vivo e escutar em discos as de Duke Ellington, Benny Goodman, Count Basie, Xavier Cugat e Perez Prado. Mundo que implodiu quando o menino de 10 anos assistiu No Balanço das Horas num cinema de sua cidade. Já tocava violão, e chegou em casa inoculado pelo vírus. Escreveu no instrumento: “Rei do Rock’n’Roll”.

Pois ali por 1961 ou 62 (nem ele sabia ao certo), a família mudou-se pra Porto Alegre. Mais especificamente para o Partenon, bairro cuja mítica será construída pelo futuro compositor. Em poucos meses ele tinha montado uma banda com seus novos amigos: Luis Ernane Guimarães (guitarra), Valdir Jacques (baixo) e Edson da Rosa (bateria). Realizava seu sonho: era, disparado, o melhor guitarrista… das redondezas. Aos 15 anos de idade, Luis Vagner era finalmente o “Rei do Rock’n’Roll”. 

Ao menos do Partenon. 

O pai do Luis Ernani tinha mais grana que a média da população de classe média baixa dali. Foi ele que mandou fazer instrumentos pra todo mundo com Seu Adão da Mil Sons, cuja fábrica ficava no bairro. O estoque incluía inclusive a grande novidade do momento: uma guitarra com alavanca!!!

Com sua baixíssima média etária, já tinham passado pelo show de calouros de Ivan Castro, na TV Gaúcha, mas estavam em casa era no programa Parque Infantil, de Waldemar Garcia, na mesma emissora. Ali causaram impacto com seu rock instrumental. E abriram as portas para o esquema de trabalho daquele momento: várias bandas revezando-se em diversos bailes. 

Paralelo aos Jetsons, Vagner é convidado para integrar o trio Rajadinha, com Alexandre Rodrigues no baixo e Bedeu na bateria. Luis Vagner, Bedeu e Alexandre: logo ali na curva dos anos 1970 estes nomes serão a gênese do samba-rock gaúcho.

Só lembrando: ainda não havia Beatles. 

E, para Luis Vagner, eles foram aparecer justamente no mesmo ano de 1963 em que ele teve contato com outra imensa novidade que igualmente explodiria seus ouvidos: Jorge Ben. Entendendo essa colisão de paixões, a gente entende o artista que saiu daí.

A explosão beatle no Brasil se dá em 1964 e soterra a popularidade da febre anterior: as bandas de guitarra instrumentais. Em função disso, em 1966 os Jetsons passam a cantar e mudam de nome e endereço. O baixista então já era o futuro cantor, compositor e empresário Franco Scornavacca. Mas Luis Ernani – aquele do pai mecenas – infelizmente era tão jovem que não podia viajar sozinho, e teve de ser substituído pelo Alemão Anires.


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Passam a se chamar Os Brasas, e é com esse nome que embarcam rumo à capital brasileira do rock: São Paulo (que, pela primeira vez, estava no centro dos acontecimentos da música nacional – ao invés do Rio de Janeiro). 


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Ao contrário de tantos outros que tentaram, Os Brasas conseguem estabelecer-se no túmulo-do-samba-mas-possível-novo-quilombo-de-zumbi. 

São contratados pelo mesmo programa que deu emprego aos Cleans, na TV Excelsior: O Bom, comandado por Eduardo Araújo, dirigido por Carlos Imperial e criado para concorrer (perdendo, claro), com o Jovem Guarda, da Record. Os quatro eram a base de guitarras, baixo e bateria da Banda Jovem do Maestro Peruzzi, que acompanhava Araújo em palcos e discos e se completava com seis violinos, backing vocals e um naipe de sopros de big band de jazz (3 trompetes, 3 trombones, 4 saxofones). O menino Vagner que, antes de descobrir o rock, vibrava com as orquestras paternas, acabava de fechar um ciclo. 

E trabalho não faltava: eles também se apresentavam no Linha de Frente, programa d’Os Vips, e eram artistas contratados do escritório O Bom. Dirigido por… Eduardo Araújo, claro. 

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Os Brasas com “O Bom”, no seu programa. Vagner à esquerda.

Acompanharam Demétrius no clássico da Jovem Guarda Eu Não Presto Mas Eu Te Amo, ao mesmo tempo em que a Banda Jovem assinava com a Odeon e gravava o hoje disputado LP Peruzzi e sua Banda Jovem — lançado pelo selo Parlophone, dedicado à música erudita. 

Também gravam um compacto para a Continental acompanhando o humorista Zé Fidélis numa paródia de Girl, dos Beatles, rebatizada de Meu Boi. E a gravadora gosta tanto do resultado (os caras emulam os Beatles perfeitamente) que finalmente os contrata como artistas solo. Lançam alguns compactos a partir de 1967 e, finalmente, seu – único – LP, em 1968. 

Se considerarmos como pioneiro Rock on Big Hits, do Conjunto Norberto Baldauf, esse será o segundo LP da história do rock gaúcho. Lançado nada menos que DEZ ANOS depois do primeiro. Mas… se não considerarmos Rock on Big Hits como um disco de rock seremos pessoas sensatas e o LP d´Os Brasas sobe então para o posto de…


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…O Primeiro Disco do Rock Gaúcho!

O LP, chamado simplesmente Os Brasas, é puxado por A Distância (versão de Oriental Sadness, do The Hollies). E, com sua mistura de Jovem Guarda, pitadas de psicodelia e rock inglês, é hoje cultuado pelos amantes das ingenuidades do rock brasileiro pré-Mutantes. Ou seja: do iê-iê-iê (sim, porque é disso que se trata). Jovem Guarda, psicodelia e rock inglês: a mesma fórmula do que nos anos 1980 muita gente passou a chamar de “Rock Gaúcho”. 

A ironia é que, pelo fato dos quatro serem músicos bem acima da média dos roqueiros brasileiros de então (até por suas formações musicais diferenciadas), eram tão requisitados como banda de apoio que isso acabou atrapalhando a carreira solo da banda. 

Um dos grandes momentos deles como acompanhantes/arranjadores foi na radical guinada de estilo que fez um dos artistas mais populares da Jovem Guarda, Ronnie Von. Foi com a segurança d’Os Brasas atrás de si que ele gravou o hoje cultuado LP Ronnie Von, de 1969. Marco da psicodelia nacional, o disco foi totalmente incompreendido naquele momento — como também o seria o outro LP que Ronnie lança no mesmo ano, A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império de Nuncamais (que incluía a canção Pare de Sonhar Com Estrelas Distantes, de Vagner). 

Imagina se um fã do pequeno príncipe Von iria engolir aquele lance meio Mutantes, onde brilham especialmente as guitarras fuzz de Luis Vagner.

E nosso garotinho de Bagé seguiria precursor de ondas. 

Ainda nos anos 1960 emplacou parcerias suas com o letrista Tom Gomes em discos de vários artistas da Jovem Guarda: Os Caçulas (o sucesso A Moça do Karmann Ghia Vermelho), Ed Carlos, Silvinha, Antonio Marcos, Deny e Dino, Vanusa, Martinha, Bobby di Carlo e até da jovem dinossaura Celly Campello. Isso, além das canções onde assinava música e letra, como Magoei Seu Coração  (sucesso de Demétrius) e a tropicalista Sílvia 20 Horas Domingo – canção que puxou a redescoberta de Ronnie pelos fãs de psicodelia dos anos 1990, e foi regravada pela banda gaúcha Video Hits, em 2001, no seu único CD: Registro Sonoro Oficial

A partir da virada dos anos 1970, Vagner recuperaria seu Jorge Ben interior, e seria um dos principais nomes do nascente samba-rock. Gravaria alguns discos solo, emplacaria hits como O Guitarreiro e, dez anos depois de sua ida para São Paulo, seria o primeiro artista brasileiro de um gênero que começava a despontar no mundo: o reggae.

Entrou o século XXI chamado de mestre pela massa regueira do Oiapoque ao Chuí e hypado com a volta do samba-rock. 

Mas, infelizmente, nada disso serviu para que conseguisse ter uma carreira estável, condizente com tudo que o cara havia ajudado a construir na música do seu país. 


Arthur de Faria nasceu no ano que não terminou, é compositor de profissão (15 discos, meia centena de trilhas) e doutorando em literatura brasileira na UFRGS por puro amor desinteressado. Publicou Elis, uma biografia musical (Arquipélago, 2015)

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