Nossos Mortos

Os quadros diários de Fernando Baril

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Os quadros diários de Fernando Baril Cristo Torcedor, 2014. Foto Reprodução/MARGS.

“Hahahahaha!” – riu muito o Fernando Baril, quando eu apresentei a ele, há quase vinte anos, junto com uma referência pessoal (da minha amiga e notável artista plástica, Bernadete Conti) e como credencial prévia para ser admitido como aluno, os quadros que eu havia pintado. Entre eles, tinha um com o ursinho Puff e o Pernalonga. Eu havia produzido esses quadros – que fizeram rir muito o Baril – para enfeitar o quarto do meu filho, Antônio, antes do seu nascimento.

Eu tinha 50 anos quando conheci pessoalmente aquele fabuloso pintor que, mesmo com aquele desenho, me aceitou como aluno de uma pequena classe no ateliê de pintura. Por um inesquecível ano, fui aluno temporão desse grande artista e incrível ser humano. E foi fácil ficar amigo dele. Baril agregava às suas múltiplas qualidades a da generosidade. Como professor paciente, ensinou aos alunos que chegavam, como eu, já com certa quilometragem de vida, o máximo de técnicas pictóricas úteis para trilhar um caminho razoável no uso da criatividade. De cara, falou que eu estava nas letras “a” e “b”, minúsculas, de um alfabeto enorme, e que, sim, poderia me ajudar a aprender. Adorei essa metáfora, que se mostrava verdadeira a cada semana.

Baril tinha um método holístico de ensino, com aulas intensas e exigências que pareciam insuperáveis. Mas os desafios impostos aos alunos (para retratar naturezas mortas cuidadosamente planejadas e montadas por ele) eram secundados por um apoio quase paternal e afetuoso, acompanhado, naturalmente, de críticas muito bem humoradas. No final das aulas, os seis alunos da classe tinham de mostrar seu trabalho aos outros, e ali recebiam a crítica sempre construtiva e incentivadora do Baril. Foi uma pena eu ter deixado de ser aluno dele, há cerca de 20 anos, o que ocorreu por inevitáveis premências profissionais. 

Fernando Baril, além de um artista genial – surrealista, expressionista, impressionista, senhor de múltiplas escolas artísticas –, com uma bagagem acadêmica e técnica surpreendentes, sempre bem humorado, apesar de crítico mordaz, era um sensível conhecedor da alma humana e dos dramas da existência. Seu modo de ser foi um exemplo para muitos que tiveram o privilégio de conviver com ele. Baril deixou um legado artístico de alta qualidade e milhares de admiradores, bem como centenas de amigos saudosos. No ano passado, já se anunciando o final da pandemia, perguntei a ele se continuava a dar aulas. Ele me respondeu que estava se dedicando a pintar. E sua produção era incrível, um quadro por dia. 

O mundo perdeu um extraordinário artista. Muitas saudades, Fernando Baril.


Paulo de Vasconcellos Chaves é advogado, poeta, músico e pintor.

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