Nossos Mortos

Silêncio, por favor!

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Silêncio, por favor!

Nesta terça-feira, 9 de fevereiro de 2021, perdemos um gigante das neurociências no Brasil: Ivan Izquierdo nos deixou. Enfrentava sérios problemas de saúde há alguns anos, e se encontrava em casa, recuperando-se de uma pneumonia não relacionada com a covid.

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Nesta terça-feira, 9 de fevereiro de 2021, perdemos um gigante das neurociências no Brasil: Ivan Izquierdo nos deixou. Enfrentava sérios problemas de saúde há alguns anos, e se encontrava em casa, recuperando-se de uma pneumonia não relacionada com a covid. 

Ivan era argentino, nasceu em 1937, e graduou-se médico em 1961 pela Universidade de Buenos Aires, onde também completou seu doutorado em Farmacologia trabalhando com seu pai, Juan Antonio Izquierdo, também ele um reconhecido cientista argentino. Depois de um pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Los Angeles, iniciou sua carreira como professor na Universidade Nacional de Córdoba. Em 1971, por conta do golpe de estado de Onganía, predecessor da terrível ditadura de 1976, teve de sair do país. Assim como para tantos pesquisadores argentinos que tiveram de emigrar, o Brasil era uma opção natural – e mais no caso dele, já que sua esposa, Ivone, era brasileira. 

Após breve passagem por São Paulo, quando esteve na Escola Paulista de Medicina, fixou-se, a partir de 1977, em Porto Alegre. Por mais de vinte anos dirigiu o Centro de Memória do Departamento de Bioquímica do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde formou dezenas de pesquisadores ao longo dos anos, influenciando toda uma geração de cientistas que hoje trabalham em diversas universidades no Brasil e no exterior. Após sua aposentadoria, transferiu-se para a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul onde, além de prosseguir com seu incansável trabalho, ajudou a nuclear o Instituto do Cérebro daquela instituição.

Ivan trabalhou como cientista por mais de 60 anos ininterruptos, tendo publicado mais de seiscentos artigos em periódicos científicos, e é, há muitos anos, um dos cientistas brasileiros mais citados de todos os tempos (ser citado pelos pares é um dos maiores reconhecimentos possíveis entre cientistas). Nessa longa jornada, fez inúmeras contribuições originais para a compreensão das bases biológicas da memória – como se formam em nível neuronal, que moléculas participam de cada etapa, como se evoca uma experiência passada, como esse traço persiste e como se extingue. Descreveu fenômenos fundamentais, suas variações no tempo e que regiões do encéfalo participam. 

No mundo acadêmico, o reconhecimento por um trabalho sistemático e original dá-se de diversas formas: integrou diversas Academias de Ciências no Brasil e no mundo e recebeu mais de 30 importantes prêmios nacionais e internacionais, entre eles, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (1996), o Prêmio da Academia de Ciências do terceiro Mundo (2005), a Medalha Neurociências Brasil da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (2007), o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia (2011) e o UNESCO para as Ciências da Vida (2017) – culminando com a maior comenda civil brasileira, a da Ordem de Rio Branco (em 2007). Recebeu, ademais, os títulos de Doutor Honoris Causa pelas Universidades do Paraná (2007) e de Córdoba (2011), de Professor Emérito pela UFRGS (2014), e Profesor Honorario pela Universidade de Buenos Aires, esta última, homenagem que apenas oito personalidades receberam desde 1821 (sendo que os outros sete eram todos ganhadores do prêmio Nobel). 

Por vezes temperamental, era afável em algumas circunstâncias, duro e exigente em outras. Não era religioso, mas tinha uma postura verdadeiramente ascética com relação ao trabalho, seguindo uma disciplina rígida que fazia sempre o melhor uso do tempo, como prova-o sua vigorosa produção científica. Por essa razão, era naturalmente exigente com os outros. O trabalho era sua vida, e sua vida era pensar, propor e escrever. E podia propor e executar (experimentos científicos) porque dispunha de um bom número de estudantes altamente motivados, o que só foi possível com a ampliação e universalização das bolsas de Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado no país, uma conquista da ciência brasileira que agora encontra-se ameaçada. 

Sua escrita era intensa, clara, e – para o meio científico – bastante elaborada, revelando traços de seu caráter em cada parágrafo, o que nem todos conseguem. Não surpreende, portanto, que também tenha escrito seis fascinantes livros de crônicas e ficção, dentre os dezessete que publicou. Entre eles, “Silêncio, por favor!” (2003), onde discorre sobre a barulhenta realidade atual. 

Descansou, enfim, nosso Mestre Ivan – como carinhosamente era chamado. Deixou esposa, dois filhos, quatro netos e uma legião de discípulos apaixonados pela ciência dispersos pelo mundo. Façamos seu merecido minuto de silêncio.

Amar o perdido
deixa confundido
este coração

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão

Carlos Drummond de Andrade

Ficam as memórias.


Grace Schenatto P. MoraesDepartamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas e Núcleo de Neurociências UFMG.

Jorge A. QuillfeldtDepartamento de Biofisica do Instituto de Biociências e Programa de Pós-Graduação em Neurociências ICBS UFRGS.

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