P, de Poesia

Destino e sonho

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Destino e sonho
Ouvi o meu destino no apito do frigorífico. Vi meu pai levantar-se de madrugada, acender O fogo no fogão-a-lenha para o café apressado, Na engrenagem da fábrica não cabia atrasado. Os operários desciam as ruelas do morro, Tamancos batiam nos dormentes da ferrovia, Pela estrada vinham mulheres e homens de branco, Na corrida ansiosa marcada pelo relógio-ponto. Desde cedo, no vale do rio do Peixe ecoava a desgraceira Dos animais para o abate, por onde seguia o meu futuro. Destino de operário, um amanhã condenado ao salário, Energia de menino para mover a engrenagem da fábrica. No berro do gado no brete de abate tinha grito de Golin. Na desesperada gritaria dos porcos havia urros de Golin. Nas lâminas degoladoras das aves esperneavam os Golin. O corte das madeiras na serraria debulhava dedos de Golin. Meu pai morreu com 38 anos, minha mãe ficou com as dívidas. Pagou com trabalho os adiantamentos do tratamento do câncer Mortal que corroeu o doente Nelo e seu encanto pelos filhos. A engrenagem do frigorífico não tinha misericórdia com a família,   A viúva de 31 anos, quatro crianças; eu, o maior, com 12; À espreita de suas forças de trabalho para mover a fábrica. “Não tenha vício que não possa sustentar”, dizia meu pai. E “Nem te acostume com as coisas dos outros”, sentenciava. Única herança deixada em princípios, “Evite a cachorrada”. Fui pulseando a vida de menino na imanência operária. Imaginava-me nos enredos dos filmes e nas peças de teatro, Praticava esportes, nadava no rio, engraxava sapatos na bodega, Vendia picolé nos campos do Arabutã e do Vasco da Gama, Jogava futebol no Botafogo, cortava lenha pelas casas, Salvava meninas em nosso teatro infantil, feito nos porões. Violas e gaitas imaginárias enchiam de música minhas mãos. Uma alma boêmia e paladina, justiceira, nasceu em mim. Uma rebeldia deu sentido à vida daquele guri medonho. Desafiei a engrenagem-frigorífico para o jogo de destino. Ela teria que forcejar muito para poder vencer meu sonho! [Ao som dos versos musicais de Rio manso, de Cholo Aguirre.] Tau Golin é jornalista e professor-pesquisador dos cursos de graduação e pós-graduação em História da Universidade de Passo Fundo. Pós-doutor em História pela Universidade de Lisboa (Portugal) e pela Universidad de la República (Uruguai). É autor da coleção ”A Fronteira”, que trata do povoamento da América meridional. A mais recente publicação desta série está no quarto volume e se intitula Mateando – Os ervais dos povos indígenas: história da erva-mate e do chimarrão (Editora Méritos)

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