Palíndromo

SóNós #7

Change Size Text
SóNós #7

O TIC, O TAC, CATO, CITO.

Na maioria dos humanos o relógio biológico comanda a rotina cotidiana. Com os palindromistas é o inverso: a feitura de um palíndromo se impõe ao nosso relógio interno. Madrugadas em claro são comuns toda vez que a resolução de um palíndromo empaca. Atrasar refeições, faltar a compromissos, adiar tarefas – tudo isso pode ser consequência de um obstáculo à perfeição palindrômica.

Exagero, claro. O que mais ocorre é o palindromista se dedicar à palindromia de tempos em tempos. Que pode ser de hora em hora, dia a dia, ou intervalos maiores. Isso se o aficionado em palíndromos atuar isolado. Se não lhe faltam interlocutores – vulgo desafiadores – aí os palindromistas têm seu calendário regido pelo convívio. Daí as atividades podem ser diárias, semanais, mensais, anuais, e se repetirem ad eternum.

O palindromar diário é, obviamente, um impulso natural. Pode surgir diante de uma manchete de jornal, uma palavra ouvida, ou inesperada inspiração, vinda do nada. O único problema é que surgem vários impulsos ao dia. E não há descanso enquanto não são concluídos e registrados, a maior parte publicados. Já a criação por provocação semanal, fixa, essa depende da comunidade a que você pertença. Pode ser um desafio palindrômico regular, com data pra começar e terminar, e ao final o reconhecimento do melhor palíndromos entre os desafiados que toparam competir. Essa atividade a cada sete dias é o ritual mais concorrido nas redes sociais.

Também há eventos de menor frequência, e nem por isso menos convidativos. Lives mensais com temas variáveis costumam atrair participantes nas datas palindrômicas de cada mês, em horários idem. Outros eventos mais esparsos se acomodam nas agendas de forma bi ou trissexta: telefonemas, cafés, reuniões para planejar ou sonhar projetos. Desnecessário dizer mas dizemos, sempre em torno ou retorno de palíndromos. E até a evolução da Terra em volta do Sol determina o palindromar sazonal. São momentos dos mais aguardados, onde a sede de palíndromos é proporcional à secura do intervalo. É o caso dos concursos e dos encontros anuais palindromáticos. Conforme a natureza ou objetivo do evento, podem ser regionais ou mundiais, fechados a uma comunidade ou abertos a participações internacionais.

Puizé: nesta edição o leitor vai tomar conhecimento dessa pulsação temporal a que os palíndromos nos arrastam. Vai que a mosca est-est, prima palindrômica da tsé-tsé, pique você e lhe tire o sono.

ATIVIDADES DIÁRIAS



Todo dia, pelo mundo afora, centenas de tuiteiros, talvez milhares deles, postam frases para poucos interessados nelas. Além de não despertar atenção e não receber montes de likes e RTs, passam despercebidas do seu brilho interior. Mas são posts notáveis, para ler e reler. São os palindromistas do Twitter. (Desconhecemos se as outras redes sociais também têm ocupantes dessa espécie de maníacos.)

Aqui no Twitter Brasil eles atuam diuturnamente: publicam a toda hora seus exercícios criativos do vaivém vocabular. E em nossas timelines reverberam as publicações de palindromistas internacionais, principalmente em espanhol e inglês. Entre esses, destacamos alguns dos muitos que admiramos:

Nosso amigo Jesús Lladó (@JessLlad) é um dos mais ativos e produtivos palindromistas da Espanha. Divide com Pére Ruiz a presidência do Club Palindromista Internacional. Além disso, desde 1987 é o diretor e editor da revista Semagames, onde, como associados do CPI, já publicamos várias vezes. Ele tem o blog palscat de palíndromos em catalão.

Pere Ruiz
é outro amigo espanhol (Pere Ruiz Lozano no Facebook), também com grande atuação e produção de palíndromos. Divide com Jesús Lladó a presidência do Club Palindromista Internacional. É também o coordenador geral do CPI. Ele publica seus palíndromos no blog fotopalindromos.

Anthony Etherin (@Anthony_Etherin) é um autor britânico de palíndromos rimados, poemas com versos anagramizados e inventor de formas inéditas de escrita constrangida, como o aelíndromo, em que a unidade palindrômica é o par de letras.

Pedro Poitevin
(@poitevin) é poeta e matemático guatemalteco nascido na Alemanha e atualmente professor universitário nos EUA, autor de sonetos e intrincados poemas em forma palindrômica, tanto em espanhol quanto em inglês;

Merlina Acevedo (@MerlinaAcevedo) é mexicana de múltiplos talentos, compositora, tecladista, artista plástica, enxadrista e autora de belos poemas palindrômicos;

Sylvia Tichauer (@labreveverbal) é chilena residente na Alemanha, especialista em palins silábicos e que em abril de 2022 completou 10 anos sem nunca ter deixado de publicar ao menos um palíndromo por dia.

Assim, nessa grande avenida chamada Internet se formou uma comunidade palindrômica, onde parece que todos moram de frente uns pros outros. Se palíndromos fossem barulhentos, nossos posts provocariam poluição sonora. Para descobrir, acompanhar e se envolver com esses perfis, basta ter uma conta no Twitter e passar a seguir alguns deles: logo o novato na palindromia estará cercado de palindromistas por todos os lados.

Algumas dessas @ são tipo um farol invertido: em vez de avisar pra se afastar da região, iluminam a vastidão da rede para atrair. (Exemplos nacionais no bloco a seguir.)


A SEMANA NA MESA



Se um palindromista isolado já vive parindo ideias pra lá e pra cá o tempo todo, imagine um grupo deles. Foi assim, em março/2021, que a @liaMg11t teve o lampejo de um torneio palindrômico semanal. Ao contrário do fogo de palha, a faísca criadora se alastrou por dezenas de cabeças, uma chama que varia de volume mas que nunca se apaga.

O núcleo original incluía a proponente Lia (@Liamg11t), Ricardo Cambraia (@OPalindromista), André Araújo (@DeAraujoAndre), Edson Kanashiro (@Edsonk77), Antônio Márcio Pires Nogueira (@AntonioMarcioPN), Rommel Girão (@RommelGirao) e Germano Weirich (@MMartelar). De lá pra cá, dessa fogueira inicial resultou um grande incêndio, que irrompe com fulgor a cada sete dias.

O mecanismo do #desafiopalindromo, que não requer muita prática nem grande habilidade, funciona assim: toda semana tem uma curadoria diferente, que propõe livremente o tema da vez. Os temas podem e devem ser atraentes, provocativos, estimulantes. A cada semana, o último curador convida o curador seguinte, e assim por diante.

Os temas são divulgados sempre às quartas-feiras. Já a postagem dos palíndromos concorrentes deve ser feita da 00h de domingo até às 24h. Aí na segunda-feira, das 00h às 24h, todos os participantes votam em até 3 palíndromos da sua preferência. Proibido, claro, votar em si mesmo. Os votos todos são enviados por mensagem direta para o curador. Ele ou ela computa a votação e aí, na terça-feira, divulga o resultado com os campeões (ouro/prata/bronze e, às vezes, menções) que a democracia palindrômica elegeu. Simples, prazeroso e gratificante assim.

Atualmente, o chamamento pro desafio da vez alcança 95 @s. Para conferir um por um os participantes basta buscar no Twitter pela tag mais recente, #desafiopalindro74. Quem quiser conhecer os temas anteriores, os palíndromos concorrentes e os vitoriosos, basta decrescer a numeração dessa tag.


SEM O DOTE, TODO MÊS



Mensalmente, sempre que aparece no calendário uma data que pode ser considerada palindrômica (12/4/21, por exemplo), Fábio Aristimunho Vargas organiza no Youtube a sua EVIL LIVE, também conhecida como SAGRA, VARGAS.

Fábio é jurista, poeta, tradutor, professor de direito internacional na Unila e palindromista nas horas Vargas. É também o autor do livro de duas capas Arara Rara, já mencionado aqui como a maior antologia de palindromistas e, por outro lado, o mais completo estudo sobre palíndromos em língua portuguesa. Quer mais? Fábio recentemente organizou em e-book outra antologia, Roda genocida, sádico negador, com o sugestivo subtítulo de Palíndromos contra o fascismo.

Suas evil lives podem se estender por uma a duas horas de conversas entre o anfitrião e dois palindromistas convidados, sempre divididas em cinco partes: RELER (princípios do palindromismo), SORVI LIVROS (bibliografia sobre o tema), SERTÃO: PAPO A TRÊS (conversa livre sobre os palíndromos na vida de cada um), LARGO JOGRAL (leitura intercalada de criações dos convidados) e AMO IDIOMA (apresentação de frases reversíveis em alguma língua estrangeira). As 17 evil lives já realizadas estão arquivadas no canal YouTube/anteoinospito. E para assistir a primeira delas, realizada em 12/4/21, justamente com a participação da dupla de palindromistas da Parêntese, clique aqui.

RELER SEMAGAMES, RELER.


Se há um orgulho que todo palindromista costuma experimentar é o de um palíndromo bem feito, que agrada a si e a outros devotos da palindromia. Agora calcule se orgulhar de uma revista palindrômica impecável desde o projeto editorial até o conteúdo elevado. Daí pense na satisfação que é alcançar 135 edições trimestrais sucessivas (com lançamentos em março/junho/setembro/dezembro). Essa revista é a incomparável Semagames, publicação com notável trajetória de 35 anos ininterruptos: a única revista especializada em palíndromos no planeta e, com a Word Ways, uma das mais antigas do mundo da ludolinguística, ou seja, sobre jogos de palavras em geral.

A história da Semagames e da criação do Club Palindromista Internacional mereceria um capítulo à parte, que talvez a gente conte outro dia.

REVER É REVER E REVER.




Há 12 anos, no mundo hispânico, se repete um potente duelo verbal coletivo: é o Prêmio Internacional de Literatura Palindrómica REVER. A promoção é do Clube Palindromista Internacional, desde Barcelona. É um concurso abertamente desafiador: podem participar palindromistas de qualquer nacionalidade e lugar de origem. De resto, há poucas restrições e alguns limites, que variam a cada edição. Por exemplo: cada concorrente deve participar com dois palíndromos, cada um composto por apenas 50% das letras do alfabeto. Num, se pode usar desde o A até o N. Noutro, desde o N até o Z.  A extensão de cada um dos palíndromos será de um mínimo de 20 letras.

Qualidade literária, correção formal, tamanho do texto, função comunicativa, originalidade e valor artístico são os critérios a influir na premiação. Só podem concorrer palíndromos escritos em castelhano, eles devem ser originais e não ter sido premiados anteriormente em qualquer outro concurso.

O vencedor de 2022 foi o jovem estudante genovês, com o seguinte palíndromo humorístico:

Anilla galana, acaso la folla gallo. Falo saca. Ana, ¡la gallina!
(Anel galante, talvez o galo a foda. Falo puxa para fora. Ana, a galinha!)

Também foram concedidas mais de 40 menções, entre países da Europa, América Latina e EUA.


Outro atraente evento promovido pelo CPI e que mobiliza uma multidão de palindromistas ao redor do mundo na data fixa de 2 de Julho é o Dia Internacional do Palíndromo. Sim, 2/7 não é uma data palindrômica, mas é exatamente o meio do ano, o centro de um metafórico palíndromo de dias. Neste dia, um tsunami de frases reversíveis atravessa oceanos e vara fusos horários.


A maratona acontece, desde 2016, através do WhatsApp, e envolve mais de uma centena de participantes, a maioria de associados do CPI.
O volume e a velocidade das criações despejadas continuamente na telinha do celular por mais de 30 horas seguidas (pela diferença de fusos) é de chamuscar neurônios. Imagine interação simultânea em espanhol, português e inglês. Imperdível! Palmas para Pere Ruiz, o idealizador e anfitrião do evento.

Como as conexões virtuais não chegam a ser suficientes, o Clube Palindromista Internacional promove encontros ao vivo dos palindromistas associados. Entre 1987 e 2003, houve reuniões esporádicas, sempre realizadas em Barcelona (sua sede).

Já a partir de 2006, um novo costume: os encontros acontecem uma vez por ano, agora em diferentes cidades, 14 em cidades espanholas e uma em Paris. Só durante os dois anos da pandemia foi possível o festivo ajuntamento palindrômico.

(Taí uma iniciativa a ser imitada aqui no Brasil. Imagine um 1º encontro coletivo em Acaiaca/MG, um 2º em Itati/RS, ou vice-versa.)


O NÃO DO ANO


A comunidade palindrômica norte-americana, como não poderia deixar de ser, tem um Oscar pra chamar de seu: é o Symmys Awards, evento celebrado desde 2013 pela The Palindromist Magazine. A cada ano, são premiados palíndromos em cinco categorias: curtos, médios, longos, poéticos e visuais. O prêmio individual – um bicórnio com duas cabeças – é chamado de Ymmy; Symmys é o seu plural, igualmente palindrômico.

O grande vencedor de 2022 entre os palíndromos curtos, por exemplo, foi de Win Emmons, um professor aposentado do Texas, que chegou a essa belezura de síntese e autorreflexão:

In word salad, alas, drown I.
(Na salada de palavras, infelizmente, eu me afogo.)

Seguindo a tradição de Sótades (o grego que inventou o palíndromo e também a poesia de sacanagem), a organização dos Symmys Awards anuncia que:

“Palíndromos obscenos (“nasty palindromes”) são sempre bem-vindos e mesmo apreciados; eles não fazem parte oficialmente da competição, mas fazemos questão de compartilhá-los.”



A seguir, as seleções de palíndromos da dupla Fraga e Giba, os palindromistas de plantão na Parêntese:

6 Palíndromos Bíblicos do Fraga


O VI: VORAZ, A LARVA LAVRA LÁZARO VIVO.
(Inspirado em Lázaro de Betânia, ressuscitado por Cristo)


A MADALENA: HÁ NELA DAMA?
(Inspirado em Maria de Magdala, a suposta adúltera de “atire a primeira pedra”)

AVÔ, CORRE OU TE PREPARA PARA PERPÉTUO ERRO: COVA.
(Inspirado no patriarca Matusalém, ancião que teria vivido 969 anos)


LÁ, NABUCODONOSOR É REI. VÊS? SE VIER EROS, O NÓ DO CU BANAL.
(Inspirado em Nabucodonossor, rei da Babilônia)


AIS E RÉ: HERODES SE LAVA. AO BARRABAS, A BARRA BOA, AVAL ESSE. DOR E HERESIA.

(Inspirado no julgamento que condenou Cristo à crucificação)


6 Palíndromos Bíblicos do Giba


Adão verá Eva.
Vê, e ao ver, revoa.
E Eva vê a revoada.
(Gênesis 2: Adão e Eva)

Acima, topo: sem a rês,
a torre de lá voa.
Não se lê, lê Babel.
Ele soa: não vale!
Derrota será mesopotâmica.
(Gênesis 11: a torre de Babel)

Diva dará daí.
Acabaste, Betsabá?
Caía dar a David.
(2 Samuel 11: David e Betsabá)

É mote: ver para crer, cara, prevê Tomé.
(João 20: a dúvida de Tomé)

(A seguir, no próximo sábado, a edição Só Nós #8, com novas atrações. E também novas seleções temáticas da dupla Fraga e Giba, os palindromistas de plantão na admirável Parêntese.)

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.