Pequenas ficções

Ameaças vindas do céu

Change Size Text
Ameaças vindas do céu Agosto de 1961. O clima político no país está conturbado. Como habitual em nossa história republicana, mais um golpe se desenha. A renúncia do presidente Jânio Quadros surpreendera a todos. A Constituição diz que, em seu lugar, deve assumir o vice-presidente. É João Goulart, conhecido como Jango, que se encontra em visita oficial à China. Ministros militares e forças políticas que a ele se opõem o acusam de comunista… Portanto, deveria ser impedido de exercer o cargo de presidente. As Forças Armadas, com histórico golpista desde a proclamação da República, encontram resistências em seu próprio seio. É o que ocorre no Rio Grande do Sul, em que o comando do 3º Exército se opõe ao golpe e apoia o governador Leonel Brizola. Ele cria a Rede da Legalidade. E passa a emitir comunicações radiofônicas ao povo a partir do subsolo do Palácio Piratini. Para isso, requisitou uma rádio da capital. O clima de confronto e a incerteza quanto à solução da crise respira-se por toda parte. E é do ar que provêm intimidações. Aviões da Aeronáutica dão rasantes sobre o palácio com o propósito de amedrontar o governador e o povo que o apoia. O arcebispo da capital, Dom Vicente Scherer, em solidariedade, se posiciona defronte ao Piratini, em desafio às ameaças vindas do céu da capital do Estado. Enquanto se aguarda o retorno de Goulart, que, com prudência, decidira ingressar no Brasil pelo Rio Grande do Sul, acontecimentos outros envolvem pessoas sem a notoriedade do governador, do prelado ou do vice-presidente.  Há dias, militares do 3º Exército encontram-se em regime de prontidão nos quartéis de Porto Alegre. Ambrósio, que presta serviço militar no quartel localizado na Avenida Correa Lima, assim como os demais recrutas, teme por sua sorte diante do que está por vir. Embora a inclinação dos comandantes locais seja pela legalidade, desconfianças há entre oficiais e soldados. Numa madrugada do final de agosto sobrevém ordem para que um contingente de militares deixe o quartel e se dirija ao aeroporto. Ambrósio está entre eles.  Depois de atravessarem a cidade na carroceria de um caminhão, os soldados recebem, já no aeroporto, determinação de um major para se posicionarem atrás de pequenos arbustos, nas imediações da pista de pouso e decolagem. Eles foram comunicados de que um general do Exército está a caminho de Porto Alegre, a bordo de avião da FAB. Ele vem com a incumbência de assumir o cargo de interventor no Estado. E a orientação dada aos soldados é a seguinte: receberiam ordem superior para abrirem fogo assim que identificada a aeronave em que estiver o general. Quando o sol nasce, uma densa neblina avança a partir do Guaíba e se estende sobre a cidade e o aeroporto. A visão alcança no máximo vinte metros. É sob essas circunstâncias que Ambrósio, com uniforme verde-oliva, se mantém deitado atrás da moita. Ele tem em suas mãos uma carabina mauser, com a qual deverá alvejar a aeronave e pessoas que dela queiram sair. Até então, participara de inofensivos exercícios […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

Agosto de 1961. O clima político no país está conturbado. Como habitual em nossa história republicana, mais um golpe se desenha. A renúncia do presidente Jânio Quadros surpreendera a todos. A Constituição diz que, em seu lugar, deve assumir o vice-presidente. É João Goulart, conhecido como Jango, que se encontra em visita oficial à China. Ministros militares e forças políticas que a ele se opõem o acusam de comunista… Portanto, deveria ser impedido de exercer o cargo de presidente. As Forças Armadas, com histórico golpista desde a proclamação da República, encontram resistências em seu próprio seio. É o que ocorre no Rio Grande do Sul, em que o comando do 3º Exército se opõe ao golpe e apoia o governador Leonel Brizola. Ele cria a Rede da Legalidade. E passa a emitir comunicações radiofônicas ao povo a partir do subsolo do Palácio Piratini. Para isso, requisitou uma rádio da capital. O clima de confronto e a incerteza quanto à solução da crise respira-se por toda parte. E é do ar que provêm intimidações. Aviões da Aeronáutica dão rasantes sobre o palácio com o propósito de amedrontar o governador e o povo que o apoia. O arcebispo da capital, Dom Vicente Scherer, em solidariedade, se posiciona defronte ao Piratini, em desafio às ameaças vindas do céu da capital do Estado. Enquanto se aguarda o retorno de Goulart, que, com prudência, decidira ingressar no Brasil pelo Rio Grande do Sul, acontecimentos outros envolvem pessoas sem a notoriedade do governador, do prelado ou do vice-presidente.  Há dias, militares do 3º Exército encontram-se em regime de prontidão nos quartéis de Porto Alegre. Ambrósio, que presta serviço militar no quartel localizado na Avenida Correa Lima, assim como os demais recrutas, teme por sua sorte diante do que está por vir. Embora a inclinação dos comandantes locais seja pela legalidade, desconfianças há entre oficiais e soldados. Numa madrugada do final de agosto sobrevém ordem para que um contingente de militares deixe o quartel e se dirija ao aeroporto. Ambrósio está entre eles.  Depois de atravessarem a cidade na carroceria de um caminhão, os soldados recebem, já no aeroporto, determinação de um major para se posicionarem atrás de pequenos arbustos, nas imediações da pista de pouso e decolagem. Eles foram comunicados de que um general do Exército está a caminho de Porto Alegre, a bordo de avião da FAB. Ele vem com a incumbência de assumir o cargo de interventor no Estado. E a orientação dada aos soldados é a seguinte: receberiam ordem superior para abrirem fogo assim que identificada a aeronave em que estiver o general. Quando o sol nasce, uma densa neblina avança a partir do Guaíba e se estende sobre a cidade e o aeroporto. A visão alcança no máximo vinte metros. É sob essas circunstâncias que Ambrósio, com uniforme verde-oliva, se mantém deitado atrás da moita. Ele tem em suas mãos uma carabina mauser, com a qual deverá alvejar a aeronave e pessoas que dela queiram sair. Até então, participara de inofensivos exercícios […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.