Pequenas ficções

Décimo terceiro

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Décimo terceiro É domingo.  Dia de folga. Jafari, um homem preto, forte com olhar na maioria das vezes sonhador, acorda ao lado de sua amada, Zuri, os dois despertam planejando o futuro. O namoro começou na adolescência. Hoje os dois com 30 anos desejam perpetuar a vida juntos. Com muito trabalho e sacrifício, estão construindo aos poucos sua casa na favela. …tão bonito…, diz ela quando nos finais de semana, folga dos dois, sonham com o dia do casamento. Cortinas coloridas nas poucas janelas onde o amarelo sempre chama mais atenção. Zuri gostava de lembrar sua avó Zulmira, que dizia ser essa a cor do amor e da fertilidade.  …agora falta só o fogão, quero um fogão bonito, moderno. No próximo sábado, com o décimo terceiro, vou comprar na loja novinho. Disse isso passando a mão na bolsa. É hora de voltar para casa, o tempo passou rápido. Saem abraçados, Jafari acompanha a noiva até o ponto do ônibus a duas quadras dali, significa mais alguns minutos juntos. Com promessa de se verem no próximo domingo, a moça o abraça carinhosamente e entra no ônibus. Segunda-feira, ônibus lotado, mais uma semana de trabalho.  A imensa obra no bairro privilegiado é onde Jafari trabalha como profissional “faz tudo” simplesmente porque tudo sabe, tudo aprende. O mestre de obras é que não entende como pode esse simples homem preto entender tanto de arquitetura, engenharia e matemática.  É conhecido na obra pelo apelido Malungo. Não é de sorrir em trabalho, cumpre o horário correto em suas obrigações. O mestre o observa sempre muito atentamente, tem curiosidade sobre sua vida que nunca é contada. Jafari se mantém quieto e útil, enquanto por dentro latejam sonhos e utopias. A vida dele somente a ele convém.  Na hora do almoço, sua marmita traz cardápios simples, na maioria veganos.  Todos conversam, enquanto Malungo rabisca em um caderno, seu companheiro nas horas vagas. Não mostra para ninguém o que escreve. Quando perguntam, disfarça, dizendo que são as contas do mês. Contas rimadas em versos. A semana passa arrastada. Chega o tão esperado sábado, um dia feliz. Já em casa depois do banho, Jafari dá os últimos retoques no barraco.  …Zuri tem razão. Nossa casa está um encanto… E finaliza a decoração da sala com um vaso de planta. Antes do anoitecer, Zuri sai do trabalho e se dirige à loja, sorridente que só. Precisa finalizar a compra do fogão tão sonhado, mas, em um gesto inusitado, olha para o lado após ter sido puxada juntamente com sua bolsa… Sem tempo para defesa, sente o fio da faca e seu sonho sendo arrastado por mãos que surgiram não sabe de onde.  Transeuntes seguem seu caminho. Centro da cidade. Cada um com sua pressa Zuri fica no chão, sem forças. A lâmina ainda firme em seu corpo jovem. Morre sonhando com seu casamento. Morre sem ajuda alguma. É mais um corpo preto jogado à sorte.  Fim de mais uma história de amor. Na favela, Jafari recebe a notícia, prepara o funeral, se […]

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É domingo.  Dia de folga. Jafari, um homem preto, forte com olhar na maioria das vezes sonhador, acorda ao lado de sua amada, Zuri, os dois despertam planejando o futuro. O namoro começou na adolescência. Hoje os dois com 30 anos desejam perpetuar a vida juntos. Com muito trabalho e sacrifício, estão construindo aos poucos sua casa na favela. …tão bonito…, diz ela quando nos finais de semana, folga dos dois, sonham com o dia do casamento. Cortinas coloridas nas poucas janelas onde o amarelo sempre chama mais atenção. Zuri gostava de lembrar sua avó Zulmira, que dizia ser essa a cor do amor e da fertilidade.  …agora falta só o fogão, quero um fogão bonito, moderno. No próximo sábado, com o décimo terceiro, vou comprar na loja novinho. Disse isso passando a mão na bolsa. É hora de voltar para casa, o tempo passou rápido. Saem abraçados, Jafari acompanha a noiva até o ponto do ônibus a duas quadras dali, significa mais alguns minutos juntos. Com promessa de se verem no próximo domingo, a moça o abraça carinhosamente e entra no ônibus. Segunda-feira, ônibus lotado, mais uma semana de trabalho.  A imensa obra no bairro privilegiado é onde Jafari trabalha como profissional “faz tudo” simplesmente porque tudo sabe, tudo aprende. O mestre de obras é que não entende como pode esse simples homem preto entender tanto de arquitetura, engenharia e matemática.  É conhecido na obra pelo apelido Malungo. Não é de sorrir em trabalho, cumpre o horário correto em suas obrigações. O mestre o observa sempre muito atentamente, tem curiosidade sobre sua vida que nunca é contada. Jafari se mantém quieto e útil, enquanto por dentro latejam sonhos e utopias. A vida dele somente a ele convém.  Na hora do almoço, sua marmita traz cardápios simples, na maioria veganos.  Todos conversam, enquanto Malungo rabisca em um caderno, seu companheiro nas horas vagas. Não mostra para ninguém o que escreve. Quando perguntam, disfarça, dizendo que são as contas do mês. Contas rimadas em versos. A semana passa arrastada. Chega o tão esperado sábado, um dia feliz. Já em casa depois do banho, Jafari dá os últimos retoques no barraco.  …Zuri tem razão. Nossa casa está um encanto… E finaliza a decoração da sala com um vaso de planta. Antes do anoitecer, Zuri sai do trabalho e se dirige à loja, sorridente que só. Precisa finalizar a compra do fogão tão sonhado, mas, em um gesto inusitado, olha para o lado após ter sido puxada juntamente com sua bolsa… Sem tempo para defesa, sente o fio da faca e seu sonho sendo arrastado por mãos que surgiram não sabe de onde.  Transeuntes seguem seu caminho. Centro da cidade. Cada um com sua pressa Zuri fica no chão, sem forças. A lâmina ainda firme em seu corpo jovem. Morre sonhando com seu casamento. Morre sem ajuda alguma. É mais um corpo preto jogado à sorte.  Fim de mais uma história de amor. Na favela, Jafari recebe a notícia, prepara o funeral, se […]

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