Retrato escrito

A Rua da Praia lembrada na crônica de Nilo Ruschel

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A Rua da Praia lembrada na crônica de Nilo Ruschel Graciosa Rua da Praia — Rua da Graça de antigamente — que estão fazendo de ti agora? Perdura ainda uma confusão com o teu nome, pois esse que resiste, todavia, só se aplicava da Ladeira do Ouvidor (meu Deus, já estou com a cabeça lá em outros tempos), isto é, da General Câmara para a ponta da Cidade, até a Gen. Salustiano; e a Rua da Graça, daquele ponto até a Praça D. Feliciano. O tempo carimbou como Rua da Praia o percurso todo, o povo deixando de lado o batismo de Andradas, também vetusto, que apenas vale para as placas e documentos oficiais. Nilo Ruschel, nascido em Estrela, veio para Porto Alegre ainda moço. Como jornalista teve o rádio como um dos meios de destaque na sua carreira. Mas a crônica, este estilo que aqui retrata a cidade por escrito, foi uma das belas formas que o autor encontrou para expressar o que via nas ruas. A Rua da Praia, como estamos lendo, foi atentamente percebida. Mas o nome não vem ao caso. O que importa é a fisionomia da rua, com um caráter próprio como só essa de Porto Alegre tem. Pois, de rua das lojas e vitrinas, de comércio heterogêneo e requintado, ela vem desenhando aos nossos olhos uma transformação que merece reparo. Um grupo, na comunidade, pequeno, mas forte, está modelando uma total metamorfose, numa espécie de cirurgia plástica, que não devolverá jamais a composição inicial. No livro Rua da Praia (Editora da Cidade, 2009), a seleção de memórias deixa o leitor invadir o passado enquanto a autoria de Ruschel expressa as mudanças daquilo que acontece na movimentação urbana. O texto citado é intitulado Os anos de Vinte e Trinta. Trata-se de uma reunião de anotações que o próprio autor havia feito. E a Rua da Praia que Ruschel recorda é essa que se transforma para ele. E para nós também. Com efeito, ela foi tomada de assalto pelos homens das finanças, caindo nas malhas da rede bancária. E sem nenhuma razão de ordem funcional, pois que a Rua da Praia está encostada ao reduto tradicional das instituições financeiras, bem à mão, ali na Rua Sete de Setembro e adjacências. Serviu a Uruguai como ponta de lança para essa invasão que faz da velha e popular artéria uma outra coisa. A crônica, diferente da tentativa de registrar com precisão historiográfica, acaba fazendo a própria história. Ela imprime a personalidade de quem escreve, de quem viveu. E assim a cidade de Porto Alegre, com o estilo de Ruschel, se faz notar de uma maneira um tanto particular. Rua da Praia que toma corpo como personagem e tem atitudes como um alguém. Com tanto burburinho humano ela fez o que devia, expulsando o tráfego de veículos — carroças, tílburis, caleças, bondes a burro e até elétricos. Conheceu também as liteiras conduzindo damas às compras e ginetes bem montados, refestelando a elegância masculina. Tudo isso foi alijado pela multidão, que a elegeu para estuário do footing, para vitrina movediça […]

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Graciosa Rua da Praia — Rua da Graça de antigamente — que estão fazendo de ti agora? Perdura ainda uma confusão com o teu nome, pois esse que resiste, todavia, só se aplicava da Ladeira do Ouvidor (meu Deus, já estou com a cabeça lá em outros tempos), isto é, da General Câmara para a ponta da Cidade, até a Gen. Salustiano; e a Rua da Graça, daquele ponto até a Praça D. Feliciano. O tempo carimbou como Rua da Praia o percurso todo, o povo deixando de lado o batismo de Andradas, também vetusto, que apenas vale para as placas e documentos oficiais. Nilo Ruschel, nascido em Estrela, veio para Porto Alegre ainda moço. Como jornalista teve o rádio como um dos meios de destaque na sua carreira. Mas a crônica, este estilo que aqui retrata a cidade por escrito, foi uma das belas formas que o autor encontrou para expressar o que via nas ruas. A Rua da Praia, como estamos lendo, foi atentamente percebida. Mas o nome não vem ao caso. O que importa é a fisionomia da rua, com um caráter próprio como só essa de Porto Alegre tem. Pois, de rua das lojas e vitrinas, de comércio heterogêneo e requintado, ela vem desenhando aos nossos olhos uma transformação que merece reparo. Um grupo, na comunidade, pequeno, mas forte, está modelando uma total metamorfose, numa espécie de cirurgia plástica, que não devolverá jamais a composição inicial. No livro Rua da Praia (Editora da Cidade, 2009), a seleção de memórias deixa o leitor invadir o passado enquanto a autoria de Ruschel expressa as mudanças daquilo que acontece na movimentação urbana. O texto citado é intitulado Os anos de Vinte e Trinta. Trata-se de uma reunião de anotações que o próprio autor havia feito. E a Rua da Praia que Ruschel recorda é essa que se transforma para ele. E para nós também. Com efeito, ela foi tomada de assalto pelos homens das finanças, caindo nas malhas da rede bancária. E sem nenhuma razão de ordem funcional, pois que a Rua da Praia está encostada ao reduto tradicional das instituições financeiras, bem à mão, ali na Rua Sete de Setembro e adjacências. Serviu a Uruguai como ponta de lança para essa invasão que faz da velha e popular artéria uma outra coisa. A crônica, diferente da tentativa de registrar com precisão historiográfica, acaba fazendo a própria história. Ela imprime a personalidade de quem escreve, de quem viveu. E assim a cidade de Porto Alegre, com o estilo de Ruschel, se faz notar de uma maneira um tanto particular. Rua da Praia que toma corpo como personagem e tem atitudes como um alguém. Com tanto burburinho humano ela fez o que devia, expulsando o tráfego de veículos — carroças, tílburis, caleças, bondes a burro e até elétricos. Conheceu também as liteiras conduzindo damas às compras e ginetes bem montados, refestelando a elegância masculina. Tudo isso foi alijado pela multidão, que a elegeu para estuário do footing, para vitrina movediça […]

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