Parêntese | Retrato escrito

Alessandra Rech: Da palmeira aos plátanos

Change Size Text
Alessandra Rech: Da palmeira aos plátanos Por Alessandra Rech Movida pela indústria metalmecânica em seus tempos de prosperidade, Caxias do Sul foi ceifando da área urbana os prédios e as árvores que contavam sua história, tornando-se, na área central, um tanto silenciosa para os que, como eu, caminham atentos às narrativas dos lugares. Uma exceção nesse cenário é o Parque Municipal Getúlio Vargas, conhecido como Parque dos Macaquinhos, que ostenta alamedas de plátanos de rara beleza no entorno: descida da Rua Dr. Montaury e subida da Dom José Barea até a Alfredo Chaves, proximidades do Centro Administrativo e Câmara de Vereadores. Sem que nos déssemos conta, passamos a ter nessas exuberantes árvores, que charmosamente marcam a entrada do outono estendendo um tapete multicolorido de folhas, um patrimônio – palavra que ao mencionar me faz tremer os alicerces, em tempos de tantas demolições do que é mais delicado ou significativo. Pois bem, esses plátanos têm uma história, ligada à figura do naturalista e escritor José Zugno (1924-2008), recentemente retratada no livro A palmeira humana (Editora São Miguel, 2019), escrito por Ricardo Tando Zugno, seu filho. Zugno assinou por 55 anos a coluna Vida agrícola, publicada no extinto impresso Correio Riograndense, de ampla circulação no interior da região Sul do Brasil. Secretário de Agricultura em nove gestões municipais graças a sua credibilidade, independentemente de partido, foi responsável pela criação da primeira Feira do Agricultor do Brasil (1979) e pela manutenção das roseiras da Praça Dante Alighieri. Conta o livro que os macaquinhos, que se tornaram a alcunha do parque, também foram alojados por ele, recebidos como doação do engenheiro agrônomo Rui Bado Krug por estarem em excesso no pequeno zoológico do Parque da Redenção, em Porto Alegre, no ano de 1958. Uma equipe de jardineiros organizou abrigo e estruturas para as macaquices em uma ilha do lago superior do parque, fazendo a alegria de muitas infâncias – inclusive a minha. Hoje já não mais existem o lago e seus primatas, mas os plátanos, sexagenários, estão em pleno esplendor! Memórias, retratos e trechos de cartas representativas da intensa interatividade com os leitores da coluna agrícola fazem parte da recém-lançada obra, que tem neste trecho uma síntese da ligação de Zugno com a natureza: Há dias, uma dessas coisas triviais que acontecem muito frequentemente, passando despercebida pela grande maioria dos humanos viventes, impressionou-me sobremaneira. Foi o corte de uma palmeira. Mas não de uma palmeira qualquer e sim da palmeira linda que morava a poucos metros do meu quarto de estudante (…). – Palmeira querida, nada fizeste para que a cortassem. Assalta-me, nesses instantes, repentinamente, uma emoção esquisita e desconcertante da falta que fazes (…). A reflexão, de 1946, precede o plantio dos plátanos, cujas mudas curiosamente surgiram da poda de árvores desse tipo no pátio do Colégio do Carmo. Não há registros da localização da palmeira, vítima de algum desses ímpetos de progresso. Resta, como consolo, saber que alguns talentos, como o de Zugno, são capazes de transcender legendas e interesses menores, transformando para melhor as paisagens urbanas.   […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

Por Alessandra Rech Movida pela indústria metalmecânica em seus tempos de prosperidade, Caxias do Sul foi ceifando da área urbana os prédios e as árvores que contavam sua história, tornando-se, na área central, um tanto silenciosa para os que, como eu, caminham atentos às narrativas dos lugares. Uma exceção nesse cenário é o Parque Municipal Getúlio Vargas, conhecido como Parque dos Macaquinhos, que ostenta alamedas de plátanos de rara beleza no entorno: descida da Rua Dr. Montaury e subida da Dom José Barea até a Alfredo Chaves, proximidades do Centro Administrativo e Câmara de Vereadores. Sem que nos déssemos conta, passamos a ter nessas exuberantes árvores, que charmosamente marcam a entrada do outono estendendo um tapete multicolorido de folhas, um patrimônio – palavra que ao mencionar me faz tremer os alicerces, em tempos de tantas demolições do que é mais delicado ou significativo. Pois bem, esses plátanos têm uma história, ligada à figura do naturalista e escritor José Zugno (1924-2008), recentemente retratada no livro A palmeira humana (Editora São Miguel, 2019), escrito por Ricardo Tando Zugno, seu filho. Zugno assinou por 55 anos a coluna Vida agrícola, publicada no extinto impresso Correio Riograndense, de ampla circulação no interior da região Sul do Brasil. Secretário de Agricultura em nove gestões municipais graças a sua credibilidade, independentemente de partido, foi responsável pela criação da primeira Feira do Agricultor do Brasil (1979) e pela manutenção das roseiras da Praça Dante Alighieri. Conta o livro que os macaquinhos, que se tornaram a alcunha do parque, também foram alojados por ele, recebidos como doação do engenheiro agrônomo Rui Bado Krug por estarem em excesso no pequeno zoológico do Parque da Redenção, em Porto Alegre, no ano de 1958. Uma equipe de jardineiros organizou abrigo e estruturas para as macaquices em uma ilha do lago superior do parque, fazendo a alegria de muitas infâncias – inclusive a minha. Hoje já não mais existem o lago e seus primatas, mas os plátanos, sexagenários, estão em pleno esplendor! Memórias, retratos e trechos de cartas representativas da intensa interatividade com os leitores da coluna agrícola fazem parte da recém-lançada obra, que tem neste trecho uma síntese da ligação de Zugno com a natureza: Há dias, uma dessas coisas triviais que acontecem muito frequentemente, passando despercebida pela grande maioria dos humanos viventes, impressionou-me sobremaneira. Foi o corte de uma palmeira. Mas não de uma palmeira qualquer e sim da palmeira linda que morava a poucos metros do meu quarto de estudante (…). – Palmeira querida, nada fizeste para que a cortassem. Assalta-me, nesses instantes, repentinamente, uma emoção esquisita e desconcertante da falta que fazes (…). A reflexão, de 1946, precede o plantio dos plátanos, cujas mudas curiosamente surgiram da poda de árvores desse tipo no pátio do Colégio do Carmo. Não há registros da localização da palmeira, vítima de algum desses ímpetos de progresso. Resta, como consolo, saber que alguns talentos, como o de Zugno, são capazes de transcender legendas e interesses menores, transformando para melhor as paisagens urbanas.   […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.