Artes Visuais | Reportagens

3º Festival Internacional de Videodança reúne obras de 27 países na Fundação Ecarta

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3º Festival Internacional de Videodança reúne obras de 27 países na Fundação Ecarta Foto: Alonso Reyes e Catalina Balcázar

A Fundação Ecarta exibe até domingo (18/9) o 3º Festival Internacional de Videodança, que reúne 47 obras produzidas em 27 países e 16 estados brasileiros. Os trabalhos totalizam quatro horas e meia de duração e estão agrupados em eixos temáticos. “Corpos que ocupam e transformam espaços” coloca em foco as relações do corpo com espaços arquitetônicos e urbanos; “Dançando a gira da vida” apresenta diferentes formas da dançar; “Terras e corporalidades em transe” traz relações entre corpos e natureza; e “Corpografias insurgentes” destaca a performatividade como manifestação discursiva e estética.

“Nossa curadoria busca cartografar a diversidade da videodança enquanto técnica, linguagem, discurso e corporalidades, dando a ver a potência da linguagem”, explicam as organizadoras da mostra, Carmen Hoffmann e Rosângela Fachel, professoras do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ainda em setembro a organização do FIVRS divulgará uma mostra convidada do 3º FIVRS, que terá debates e conversas com artistas.

Mas o que é exatamente videodança? “Compreendemos a videodança como a conjunção entre corporalidades, câmera e olhar, pensando essa articulação de uma maneira muito ampla, inclusiva e em constante expansão, sobretudo no atual contexto de onipresença dos aparelhos de comunicação e de registro de imagens, mas sem esquecer da enorme desigualdade social brasileira no acesso a essas tecnologias e à conectividade”, definem as organizadoras do festival – leia a entrevista a seguir.

Foto: “A Portrait”, de Vilma Tihila e Kauri Sorvari

Os vídeos selecionados – que também estão sendo exibidos no Museu Leopoldo Gotuzzo, em Pelotas, até 18 de setembro – foram avaliados por cinco pesquisadores: Alexandra Dias (Brasil), Ana Sedeño Valdellós (Espanha), Daniel Aires (Brasil), Denis Angola (Brasil/Finlândia) e Natacha Muriel López Gallucci (Argentina/Brasil).

“Uma temática recorrente foi o isolamento e a clausura, refletindo o momento da pandemia. Muitos vídeos foram feitos de forma solo e no ambiente privado de cada dançante, mostrando corpos em agonia, solidão e também esperança. A relação entre corpo e natureza foi outra constante, gerando imagens que vão me habitar muito tempo ainda”, afirma Dias, artista de dança e professora da licenciatura em Dança da UFPel.

Foto: “Crónicas de Cuatro Cuerpos en un Espacio Sin Contexto”, de Fausto Jijon

Leia a entrevista com Carmen Hoffmann e Rosângela Fachel.

Como surgiu o festival e de que forma ele foi ganhando corpo ao longo das três primeiras edições?

O FIVRS é resultado de muitos encontros. Começou justamente com o nosso encontro enquanto professoras do PPG em Artes da UFPel, uma artista e pesquisadora em dança, outra pesquisadora e curadora em audiovisual. A amizade que nos aproximou para trabalharmos juntas em uma curadoria de videoartes, na qual identificamos um protagonismo das videodanças, foi a mesma que nos inspirou, a partir dessa percepção, à ideia da criação de um festival. Foi também uma forma de pesquisarmos sobre essa linguagem que já aparecia de maneira incipiente, porém potente, em alguns trabalhos de nosso PPG, como na pioneira dissertação de Luana Arrieche. Para a consolidação de nosso projeto, contamos então com a parceria de docentes e discentes do curso de Dança e do PPG da UFPel, assim como de Carlise Scalamato, da UFSM, referência na pesquisa em videodança. Com o projeto já em articulação, buscamos o apoio da Fundação Ecarta.

A cada nova edição, o FIVRS vem ampliando a abrangência de sua mostra tanto no âmbito geográfico quanto estético, compondo assim uma significativa cartografia da linguagem da videodança e promovendo a reflexão sobre sua emergência no campo da arte contemporânea.

Gostaria de um comentário de vocês sobre a videodança como linguagem.

A coreografia de corpos através de imagens em movimento nasce com o próprio cinema, que vem, desde então, construindo e explorando as diversas possibilidades desse encontro. Seja em produções de cunho narrativo e comercial – vale lembrar a importante tradição dos musicais, repletos de cenas de dança, revisitada em diferentes momentos e cinematografias –, seja por meio de produções experimentais e autorais, que permeiam toda a história do cinema e que constantemente subvertem e ressignificam a linguagem audiovisual.

No entanto, essa não é uma comparação dicotômica, pois é importante ter em mente que essas perspectivas videodançantes se entrecruzam e tensionam desde os primórdios do audiovisual e a todo momento. Se quisermos traçar uma genealogia mais específica da produção audiovisual como linguagem da e para a performance em dança, podemos citar o pioneirismo da bailarina, coreógrafa e cineasta ucraniana Maya Deren, na década de 1940, e a importância da conjunção entre o experimentalismo do vídeo – artístico e performático – e os movimentos ativistas, da década de 1960 como momentos fundamentais na configuração de uma possível tradição em videodança e como linguagem subversiva dos discursos audiovisuais instituídos.

Podemos dizer que, no contexto do festival, compreendemos a videodança como a conjunção entre corporalidades, câmera e olhar, pensando essa articulação de uma maneira muito ampla, inclusiva e em constante expansão, sobretudo no atual contexto de onipresença dos aparelhos de comunicação e de registro de imagens, mas sem esquecer da enorme desigualdade social brasileira no acesso a essas tecnologias e à conectividade. Nossa curadoria busca cartografar a diversidade da videodança enquanto técnica, linguagem, discurso e corporalidades, buscando dar a ver a potência da linguagem no imbricamento entre o fazer artístico e as questões socioculturais e políticas que o atravessam.

O que vocês destacam em termos de temáticas e abordagens nesta edição?

Algumas questões vêm sendo recorrentes desde nossa primeira edição. Podemos dizer que são muitas as produções que exploram os ambientes externos, seja por meio de corpos que coreografam e redescobrem paisagens urbanas e arquitetônicas (algo que denominamos de corpografias); ou de corporalidades que buscam acionar uma relação com a natureza, nas quais é perceptível o protagonismo de corpas femininas. Em ambos os cenários predominam planos grandes e abertos, que apresentam os corpos como elementos da própria paisagem que exploram, dando destaque à performance do corpo como um todo – e é comum, como esperado, a presença marcante da música.

Em outro sentido, vão as performances mais intimistas, realizadas em espaços privados e menores, e nas quais vamos perceber uma maior utilização de planos detalhes e closes, para a fragmentação imagética dos corpos, que coloca em foco detalhes de seus movimentos. Nessas produções vamos nos deparar com outras sonoridades e a presença de textos narrados em off. Nesta segunda perspectiva se enquadra a maioria das videodanças “pandêmicas”, como poderíamos chamar as produções que trazem a pandemia e o isolamento sanitário como questão central.

Por fim, em que medida as redes sociais – cada vez mais voltadas para o vídeo – e os períodos de isolamento da pandemia influenciaram a produção de trabalhos em videodança?

Podemos pensar essa questão em dois sentidos. O primeiro diz respeito ao campo da produção e do mercado das artes em suas diferentes abrangências – desde as mais comerciais até as mais alternativas. A necessidade de isolamento sanitário fez com que artistas de diferentes artes e linguagens buscassem adaptar suas produções para a experiência remota. Acompanhamos engenhosas e surpreendentes reinvenções artísticas inovadoras, que seguiram sendo incorporadas e adaptadas à experiência presencial. No campo das artes da performance, como o teatro e a dança, essa experiência na maioria das vezes recorreu à linguagem audiovisual – que já havia sido explorada e passa a ser uma perspectiva narrativa das produções, algo que traz novas questões e dificuldades.

O segundo sentido diz respeito à forma como a necessidade de isolamento social intensificou algo que já vinha em curso desde o advento da web 2.0: nossa transformação geral de pessoas que consomem conteúdos midiáticos, sobretudo audiovisuais, em pessoas que consomem e produzem conteúdos midiáticos.

É interessante dedicarmos atenção às linguagens e produções que estão continuamente emergindo no ecossistema dos meios de comunicação, como por exemplo o boom das “dancinhas” promovido pelo TikTok. Se até então essa não foi uma presença evidente nos trabalhos recebidos pelo FIVRS, é evidente que os repertórios – tanto em relação ao audiovisual quanto à dança – criados para essa plataforma já repercutem na visualidade de algumas videodanças, especialmente naquelas realizadas sob a perspectiva da câmera de celulares e por equipes de produção mais jovens.

O interessante para nós é a forma como a videodança se apropria desses repertórios audiovisuais – oriundos do cinema comercial e experimental, da televisão e, mais recentemente, da internet – para criar visualidades da dança nas telas e assim colocar em xeque, ao mesmo tempo, os discursos hegemônicos do audiovisual e da dança e, por conseguinte, as estruturas socioculturais e políticas que os propagam e mantêm. Essa é a potência da videodança que queremos dar a ver.

3º Festival Internacional de Videodança
Em exibição até 18 de setembro de 2022
Onde: Fundação Ecarta – Avenida João Pessoa, 943 – Porto Alegre
Horário: das 10h às 18h
Entrada franca

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