Artes Visuais | Reportagens

“Transe” mescla elementos orgânicos e tecnologia na 13ª Bienal do Mercosul

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“Transe” mescla elementos orgânicos e tecnologia na 13ª Bienal do Mercosul "Gravitas", Bruno Borne. Foto: Ricardo Romanoff

A 13ª Bienal do Mercosul ocupa o terceiro andar do Instituto Caldeira com a mostra Transe, que traz o conjunto de trabalhos mais instigante desta edição do evento. A partir de um edital que recebeu cerca de 900 inscrições, a equipe curatorial – formada pelo curador-geral Marcello Dantas e pelos curadores-adjuntos Carollina Lauriano, Laura Cattani, Munir Klamt e Tarsila Riso – reuniu obras de forte caráter experimental e interativo, reunindo elementos orgânicos, máquinas e tecnologias para refletir sobre temas tão diversos quanto a percepção de aves migratórias e a comunicação entre seres vivos e inteligências artificiais.

Transe é hábil em evocar uma reverberação mais profunda – paradoxalmente grave e levíssima ao mesmo tempo –, quase um chamado que transborda do humano e se derrama em um corpo ampliado, conexo e fantasma, de máquinas, fungos, criaturas abissais, órgãos, inteligências e insetos, que se põe a sonhar coletivamente o real”, descreve o texto curatorial da exposição.

A seleção dos 19 participantes da mostra – aos quais se soma uma artista convidada – foi feita em três etapas: análise dos projetos sem identificação de autoria, revisão de portfólios e entrevistas. Os curadores Laura Cattani e Munir Klamt acompanharam de perto o complexo desenvolvimento de todos os trabalhos de Transe – uma jornada de 11 meses desde a publicação do edital até a montagem.

“O que se visibiliza é menos um tema unificador do que um ecossistema, de dimensão sinestésica e polifônica, que permeia a relação das obras em uma dinâmica, muitas vezes sutil e contraintuitiva, de relações de interdependência dos seres vivos entre si e com seu mundo, operando em múltiplas camadas”, observam Cattani e Klamt.

Produtora da mostra, Taís Cardoso destaca a interlocução entre distintas áreas de conhecimento, aproximando artistas de pesquisadores e técnicos da PUCRS, instituição parceira da 13ª Bienal em Transe: “No contato com os pesquisadores, nosso maior desafio foi o tempo, já que o tempo da universidade e da pesquisa cientifica é muito diferente do tempo de uma exposição de arte. No caso dos técnicos, teve mais a ver com persuadi-los a sair de uma lógica de trabalho focada em resultados objetivos para que corressem o risco de experimentar, o que naturalmente envolve tentativas e erros”.

Tempo e experimentação também são chaves de leitura para entrar em Transe. A mostra solicita certa suspensão da vigília e uma entrega à duração fluida e imprecisa do tempo onírico e suas imagens enigmáticas. Como em um sonho lúcido, a exposição permite que o visitante assuma as rédeas de seus itinerários para olhar mais de perto, estabelecer relações e explorar um imaginário que envolve questões ancestrais dos humanos – como a tecnologia do fogo, investigada pelo artista mineiro Pierre Fonseca, em Brincando com o Fogo – e determinantes de sua sobrevivência no planeta – como o impacto das ações humanas na vida de outras espécies, na obra Diorama, do paulista Vitor Mizael.

O trabalho de Mizael reúne dezenas de pássaros recolhidos após morte natural e submetidos ao processo de taxidermia. As aves são exibidas com as asas em posição de voo e o pescoço quebrado – remetendo ao choque fatal contra prédios envidraçados, evento cotidiano nos centros urbanos.

“Diorama”, de Vitor Mizael. Foto: Ricardo Romanoff

A inteligência de outras espécies – e tentativas de alguma possível interlocução dos humanos com elas – ganha evidência em dois trabalhos. Em Criptocromo (A Cor Escondida), o gaúcho Elias Maroso põe em evidência o senso de orientação de aves migratórias capazes de perceber, segundo estudos, a atividade dos polos magnéticos da Terra. A instalação busca representar essa percepção por meio de fotografias, circuitos e sons que remetem ao canto do pássaro juruviara-boreal – espécie que migra para a região Sul do país na primavera.

“Criptocromo (A Cor Escondida)”, de Elias Maroso. Foto: Ricardo Romanoff

Já em Mycorrhizal Insurrection, o duo Cesar & Lois propõe o desenvolvimento de uma inteligência híbrida biodigital, formada por micélios vivos (cogumelos) em conexão com uma inteligência artificial e a participação do público via troca de mensagens. Através de um código QR, é possível entrar em contato por WhatsApp com uma inteligência artificial que solicita colaborações para um banco de dados sobre a crise climática. Conforme o texto que acompanha a obra, trata-se de uma inteligência artificial não antropocêntrica “que toma decisões baseando-se na lógica do micélio, propondo reorientar as sociedades humanas e suas tecnologias em favor dos interesses e sobrevivência do ecossistema planetário”.

“Mycorrhizal Insurrection”, de Cesar & Lois. Foto: Ricardo Romanoff

A combinação de elementos orgânicos e sintéticos também pode ser vista em Natureza Híbrida, do carioca Guto Nóbrega, que em seus trabalhos busca desenvolver conexões entre sistemas vegetais e tecnológicos. Na instalação, Nóbrega reúne uma planta submersa em um aquário e dispositivos para conceber a figura de uma criatura que remete a animais das profundezas marítimas.

“Natureza Híbrida”, de Guto Nóbrega. Foto: Ricardo Romanoff

Já a instalação sonora Ouvir, do artista paulista Craca, simula o processo de aprendizado de uma comunidade e a criação de um léxico a partir de trocas da obra com o público. O trabalho é formado por um sistema de machine learning que registra, aprende e reproduz melodias, reconhecendo e criando padrões com o uso de inteligência artificial. Os visitantes são convidados a conversar, cantar e assobiar próximos à modelos tridimensionais de cócleas – uma parte do ouvido – suspensos no espaço expositivo. A partir das trocas com o público, a obra acumula aprendizados e os incorpora sonoramente à instalação.

“Ouvir”, de Craca. Foto: Ricardo Romanoff

Enquanto Craca convoca a audição, a carioca Gabriela Mureb atrai o olfato em Sem Título (Trabalho). A artista apresenta uma máquina que manipula constantemente uma massa viscosa feita de melado de cana-de-açúcar. A obra parte da observação de máquinas utilizadas para automatizar o processo de “puxar bala” – movimento artesanal de esticar e dobrar a massa do açúcar até atingir o ponto de corte. A massa colocada na máquina é preparada diariamente por uma equipe, criando uma obra em constante transformação que mescla gestos de mecânicos e humanos.

Ana Paula Bertoldi (à esquerda) e Cris Souza (à direita). Foto: Ricardo Romanoff

“Sem Título (Trabalho)”, de Gabriela Mureb. Foto: Ricardo Romanoff

Parte dos trabalhos de Transe explora a desconstrução de noções do corpo humano. Em Re-member, a carioca Leandra Espírito Santo desmonta a percepção de unidade movimentando moldes de partes do corpo sobre trilhos. Já em Ordenha 002, a carioca Nídia Aranha explora as possibilidades de um corpo trans produzir leite por meio de uma dieta hormonal. A obra – saiba mais neste vídeo – estabelece um paralelo entre as explorações dos corpos de vacas leiteiras e das mulheres. Aranha participará do quinto encontro do seminário Zonas de Contato, organizado pelo Projeto Educativo da 13ª Bienal do Mercosul, no dia 22 de outubro, às 10h, no Instituto Ling, com a fala Corpo_soma | Tecnologia travesti – Da puberdade sintética à evolução da espécie – .

“Re-Member”, de Leandra Espírito Santo. Foto: Ricardo Romanoff

O percurso onírico de Transe – mesclando estranheza e teatralidade, como bem aponta o texto curatorial – também reserva espaço para a contemplação na instalação Gravitas do gaúcho Bruno Borne, que combina imagens aéreas do amanhecer e do entardecer em intervalos marcados pelo som de um gongo. A projeção na superfície parabólica evoca uma sensação de suspensão da gravidade, ao mesmo tempo que aborda com sutileza os ciclos da vida na Terra, a mirada para o céu – comum a cientistas, curiosos e sonhadores em geral – e o levantar voo em busca de outros sentidos e perspectivas.

“Gravitas”, de Bruno Borne. Foto: Ricardo Romanoff

Confira também as matérias sobre a 13ª Bienal do Mercosul no Cais do Porto e na Fundação Iberê e nos museus do Centro Histórico.

Saiba quais são os espaços que abrigam obras da 13ª Bienal do Mercosul, todos com entrada gratuita até 20 de novembro

Arte urbana
Locais: avenida Borges de Medeiros; Largo Moacyr Scliar, ao lado da Usina do Gasômetro; Travessa dos Cataventos e cúpula da Casa de Cultura Mario Quintana

Cais do Porto | Armazém A6 
Local: avenida Presidente João Goulart, 158 (entrada pelo Embarcadero)
Funcionamento: terça a domingo, das 9h às 19h (última entrada às 18h)

Casa da Ospa
Local: avenida Borges de Medeiros, 1501
Funcionamento: segunda a sexta, das 8h às 18h

Casa de Cultura Mario Quintana
Local:  rua dos Andradas, 736
Funcionamento: terça a domingo, das 10h às 20h

Farol Santander
Local: Praça da Alfândega
Funcionamento: terça a domingo, das 9h às 19h (última entrada às 18h)

Fundação Iberê Camargo
Local: avenida Padre Cacique, 2000
Funcionamento: quinta a domingo, das 14h às 19h (última entrada às 18h)

Instituto Caldeira
Local: rua Frederico Mentz, 1606
Funcionamento: terça a domingo, das 9h às 19h (última entrada às 18h)

Instituto Ling
Local: rua João Caetano, 440
Funcionamento: terça a sábado, das 10h30 às 20h

MARGS
Local: Praça da Alfândega
Funcionamento: terça a domingo, das 9h às 19h (última entrada às 18h)

Memorial do Rio Grande do Sul
Local: Praça da Alfândega
Funcionamento: terça a domingo, das 9h às 19h (última entrada às 18h)

Paço Municipal 
Local: Praça Montevidéu, 10
Funcionamento: segunda a sexta, das 9h às 12h e das 13h30 às 17h

Mais informações no site da Bienal do Mercosul.

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