Richard John reflete sobre relações e representações em “Desenhos Miméticos”
O V744atelier exibe até 11 de agosto a exposição Desenhos Miméticos, de Richard John. A mostra reúne cinco obras e materiais de pesquisa do artista, que ao longo de sua trajetória explora questões em torno da apropriação e reelaboração de imagens – envolvendo noções de original, cópia e reprodução – e da representação por meio da linguagem.
No texto de apresentação da exposição, o artista e professor do Instituto de Artes da UFRGS Hélio Fervenza ressalta o ponto de partida habitual da produção de Richard: “Ele não pinta ou desenha as coisas do mundo a partir de sua observação direta, mas a partir de suas representações já produzidas”.
Exemplo disso são as obras Originais para Reprodução N. 1 (2018 – 2023) e Originais para Reprodução N. 2 (2023), em que Richard se apropria de desenhos de um caderno de colorir publicado na Argentina nos anos 1950.
O conjunto de número 1 apresenta o resultado de um processo em que o artista, após fotografar uma página do livreto, projeta a fotografia sobre uma folha de papel em branco e copia manualmente os desenhos. Finalizada a cópia, Richard a fotografa e projeta sobre outro papel para copiar novamente os desenhos. As cópias são expostas lado a lado, como dípticos, revelando diferenças sutis.
No conjunto de número 2, as páginas são copiadas uma única vez e incluem um preenchimento com bordas e cores.
Ao comentar seu interesse por imagens que circulam há décadas, Richard, nascido em Bom Princípio (RS) em 1966, revela seu apego à infância, que ele passou rodeado por brinquedos da loja dos pais e sendo estimulado a desenhar e pintar. Soma-se a isso o contexto do início de sua produção, nos anos 1980, quando diversos artistas – incluindo os gaúchos Mário Röhnelt e Vera Chaves Barcellos – se dedicaram à apropriação de imagens a partir de procedimentos variados, dando sequência a uma linhagem que tem antecedentes nas colagens dadaístas e na pop art.
“Por um lado é nostalgia, por outro, é uma visão sobre um presente repleto de imagens. Essa proliferação acaba virando tema para muitos artistas. É um fenômeno muito forte que questionamos e usamos como matéria-prima”, observa Richard.
Ao longo do processo de cópia dos Originais para Reprodução, retoques com guache branco ganham evidência. A retificação das linhas acaba chamando atenção para um elemento caro às reflexões do artista: “Temos uma tendência a julgar algumas coisas como ‘erros’. Há uma série de regras e preconceitos de como as imagens devem ser, mas é possível perceber aquilo de forma ampliada e flexível. Vou em direção ao início do processo, em que eu, humano, acabo falhando, com linhas imperfeitas”.
A conversa sobre erros e criatividade humana deriva para um assunto que se intromete cada vez mais em diversos debates: o uso de ferramentas de inteligência artificial, incluindo a produção de imagens – uma inflexão preocupante, na visão de Richard.
“Acredito plenamente que a principal faculdade humana é a imaginação. Quando deixamos a imaginação ser feita por outro – poderíamos falar de uma ‘imaginação da máquina’, a partir de milhares de imagens –, de alguma forma estamos atrofiando essa faculdade. Pode ser um meio de criação interessante, mas há o risco de uma acomodação”.
“A tendência é que inevitavelmente a inteligência artificial se torne cada vez mais sofisticada e, por conta disso, se afaste cada vez mais do drama humano. Isso me assusta. Esse descolamento da realidade pode ser perigoso. É um assunto muito complexo sobre o qual precisamos pensar o quanto antes”, segue o artista.
“Costumo brincar que fazer pintura é escapar dos clichês, e no pensamento também acabamos com algumas ideias iguais. Mas algumas questões que se repetem são fundamentais: Como viver junto? Como equilibrar um pouco mais a nossa vida na Terra? Não adianta termos muita tecnologia e pouca consciência. Temos uma série de capacidades que não estamos investigando”, completa Richard.
Se nos Originais para Reprodução o papel do desenho gera reflexões sobre a imaginação humana, em Dropping Names as relações são o principal interesse de Richard. O díptico reúne, de um lado, nomes, de outro, sobrenomes de pessoas escritos à mão com caneta nanquim.
Produzida desde 2018, o obra começou com nomes de familiares, amigos e conhecidos do artista. Na sequência, Richard passou a incluir nomes de parentes distantes e de figuras vinculadas a temas como a sociedade porto-alegrense dos anos 1970 e o Dicionário de Artes Plásticas do RS, além de filósofos, poetas, cineastas e críticos de arte, entre outras categorias.
“Senti a necessidade de fazer uma rememoração de todas as pessoas que conheci na vida. Há muito tempo faço listas com os nomes de todas as pessoas com quem convivi. Como é representar esse outro e pensar a soma dessas experiências?”, reflete Richard.
A infinidade de nomes – cerca de 10 mil –, distribuídos ora aleatoriamente, ora em grupos, cria uma espécie de paisagem formada a partir das inscrições do artista. Diante do díptico, o espectador acaba estabelecendo novas relações com a multidão escrita, a partir de suas experiências com nomes conhecidos e no encontro com o desconhecido de nomes que não remetem a ninguém em particular.
“Tu viste paisagem, outro pode ver um grupo de células. Qual a distância entre a célula – uma unidade menor de um organismo – e a paisagem – onde esse organismo está? Entre uma coisa e outra, há uma tomada de perspectiva e uma experiência de alteridade. Essa multidão também existe dentro de nós. Há uma complexidade e uma necessidade de harmonização tanto para dentro quanto para fora.”
Ao propor aproximações e distanciamentos em relação às imagens e palavras que nos rodeiam, Richard ressalta a necessidade de refletirmos sobre representações – “não podemos esquecer que há um intervalo, uma diferença entre o mundo e o que é representado” – e experimentarmos outras perspectivas: “uma das funções da arte é fazer o nosso olhar se abrir para novas possibilidades”.
—
Exposição “Desenhos Miméticos”, de Richard John
Onde: V744atelier (rua Visconde do Rio Branco, 744 – Floresta – Porto Alegre)
Quando: até 11 de agosto de 2023
Visitação: de quarta a sexta-feira, das 14h às 17h. Outros horários serão contemplados com agendamento por mensagem via Instagram do V744atelier
Entrada gratuita