Cinema | Notas

24ª Mostra de Cinema de Tiradentes homenageia a cineasta Paula Gaitán

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24ª Mostra de Cinema de Tiradentes homenageia a cineasta Paula Gaitán Paula Gaitán, diretora de cinema. Foto: Leo Lara, Universo Produção/Divulgação

Consciente de todas as complexidades do cenário que vivemos a partir do começo de 2020, a 24a Mostra de Cinema de Tiradentes, a ser realizada entre 22 e 30 de janeiro de 2021, leva para sua temática parte dos questionamentos de um tempo único da história do mundo. “Vertentes da criação” é o tema proposto pelos curadores Francis Vogner dos Reis e Lila Foster para a edição de 2021.

A ideia partiu da percepção de que há, em anos recentes, uma reconfiguração intelectual e empírica dos processos na produção do país, cuja singularidade está condicionada por elementos variados: universos simbólicos, ética das imagens a partir dos espaços, personagens e territórios, estética amparada em perspectiva crítica do automatismo das práticas da expressão audiovisual do mercado e, principalmente, a economia de um tempo que resiste ao modelo célere de velocidade da circulação do capital. O cinema brasileiro se reinventa nas circunstâncias impostas a ele e nas inquietações de criadores arrojados que constantemente reinventam as formas do fazer.

“O convite a esse exercício de pensar os caminhos do cinema pode criar um léxico, novas palavras, acionar o campo de expressão das experiências particulares do trabalho de criação, um trabalho que não está isolado dos processos mais amplos do mundo (econômicos, técnicos, políticos), mas dele toma parte ativa com mais proximidade ou com uma calculada e necessária distância”, afirma Francis Vogner dos Reis.

Francis Vogner dos Reis. Foto: Netun Lima, Universo Produção/Divulgação

O curador detecta a Mostra de Tiradentes como o espaço onde se potencializou boa parte desses movimentos na última década: “A Mostra marca, a cada ano, vários ciclos: de filmes produzidos no ano que antecede o mês de janeiro, quando é realizada; de questões que ecoam a partir dos debates do ano anterior; e de eventos sociais, econômicos e culturais indissociáveis do que podemos chamar de ‘campo do cinema brasileiro’”.

Conforme constatam os curadores, os últimos anos em Tiradentes, a partir dos filmes e de falas de diretoras, diretores de fotografia, atrizes, atores, montadores, diretores de arte e roteiristas, trouxeram experiências que apontam para ricas e múltiplas vertentes de processos criativos. “Não são simplesmente novos modos de produção, mas uma reconfiguração de ideias, procedimentos, motivos e anseios. É o desejo de filmar que se encontra com a necessidade de filmar”, completa Lila Foster. “Esses processos revelam relações inauditas da imaginação com o real, em intervenções que não só questionam, mas se descolam de modos e procedimentos criativos e de produção mais normativos do ponto de vista técnico e estético.”

A proposta, então, será refletir, por filmes e debates, uma série de questões:

O que move o cinema?

Quais são os desejos que guiam e dão origem aos filmes?

O que, afinal, dá forma ao filme?

Como se criam métodos particulares para liberar experiências particulares?

Como pensar os processos de artesania, como a construção dos personagens, do espaço, da escrita e da montagem?

O que se faz com as mãos, os olhos, os corpos e o coração quando se está criando uma imagem? Enfim: o que leva, guia e movimenta o artista quando ele cria imagens e sons?

Homenagem a Paula Gaitán

Ao se falar em “Vertentes da criação”, o nome da cineasta Paula Gaitán parece se acomodar à perfeição. Na ousadia expressiva e na variedade criativa, trata-se de uma artista incontornável, e não apenas no cinema brasileiro contemporâneo, a julgar pelas constantes celebrações e retrospectivas de sua obra ao redor do mundo nos últimos anos. 

Gaitán realiza longas, curtas e médias-metragens, faz filmes com dinheiro, sem dinheiro, filme caseiro, performances, musical de memória, filme híbrido, documentário especulativo, ficção poética, cine-retrato abstrato, videoclipes, séries de entrevistas, artes visuais e outros mais. “Ela usa a câmera como uma pintora usa o pincel. E tudo para ela é música, dos ruídos às cores”, destaca Francis Vogner dos Reis, coordenador curatorial da Mostra.

Escolhida para receber a homenagem e o Troféu Barroco da 24a Mostra de Cinema de Tiradentes, Paula Gaitán, de origem colombiana, lançou seu primeiro filme em 1989, Uaka, filmado no Xingu. Antes, já atuava no campo artístico como atriz, fotógrafa e diretora de arte.

Foi parceira de Glauber Rocha (1939 – 1981) em alguns de seus trabalhos mais importantes, fazendo o cartaz de Cabeças Cortadas (1970), a cenografia de A Idade da Terra (1980), no qual também atuou diante das câmeras, e ilustrações de livros do realizador baiano. Como diretora, assinou filmes diversos, ora inovando nas abordagens e nas formas visuais e sonoras, como Diário de Sintra (2007) e Noite (2014), ora se aproximando intimamente de figuras importantes da criação, como Vida (2010), com Maria Gladys, Agreste (2010), com Marcélia Cartaxo, e É Rocha e Rio, Negro Léo (2020). Na ficção, dirigiu Exilados do Vulcão (2013) e Luz nos Trópicos (2020).

Filme “Luz nos Trópicos”. Foto: Clara Choveaux/Divulgacao

Para celebrar a trajetória de Paula Gaitán, a Mostra vai promover um encontro virtual com a cineasta e uma Mostra Homenagem, com a exibição de oito trabalhos da cineasta: os longas Diário de Sintra, Exilados do Vulcão, Noite e Luz nos Trópicos, o videoclipe A Mulher do Fim do Mundo (de Elza Soares) e três filmes inéditos – o curta Ópera dos Cachorros, o média Se Hace Camino al Andar e o filme de abertura que abre a programação da Mostra, na noite do dia 22 de janeiro, em pré-estreia mundial, que a diretora está finalizando para apresentar no evento.

“A obra da Paula responde de maneira abrangente ao emblema da experimentação estética e da experiência poética. Cada um de seus filmes se empenha em buscas distintas, sempre novas, abrindo caminhos inexplorados sobretudo por ela mesma. A cada filme ela refaz, repensa, redescobre e reinterpreta a dimensão do personagem, do tempo, do plano, da montagem e do som”, destaca Francis Vogner. “Homenageá-la é reconhecer a dimensão de uma obra já consolidada e investigar as imagens de um trabalho misterioso e inquieto, de independência e singularidade radicais, que possuem poucos paralelos na produção artística atual”.


Filme “Exilados do Vulcão”. Foto: Divulgacao
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