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“A Paixão Segundo G.H.” mergulha no vórtice de Clarice Lispector

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“A Paixão Segundo G.H.” mergulha no vórtice de Clarice Lispector Paris Filmes/Divulgação

Um dos filmes brasileiros mais aguardados dos últimos tempos, A Paixão Segundo G.H. (2023) marca o retorno do diretor Luiz Fernando Carvalho ao cinema. Baseado no romance homônimo de Clarice Lispector (1920 – 1977), o filme é protagonizado por Maria Fernanda Candido e busca traduzir em imagens o caudaloso fluxo de consciência de uma mulher que depara com o mistério da existência como uma epifania em meio ao cotidiano banal.

O denso mergulho introspectivo de A Paixão Segundo G.H. situa-se no Rio de Janeiro de 1964, quando, após o fim de uma paixão, uma escultora da elite de Copacabana decide arrumar seu apartamento, começando pelo quarto de serviço. No dia anterior, a empregada pediu demissão.

No aposento – que supunha imundo e repleto de inutilidades, mas que em realidade encontra-se limpo e arrumado –, G.H. depara com uma enorme barata na porta do armário, que desperta o próprio horror da protagonista diante do mundo, reflexo de uma sociedade repleta de preconceitos contra os seres que elege como subalternos.

Paris Filmes/Divulgação

Diante do inseto, a sofisticada burguesa encara uma crise existencial e um mal estar social que na verdade há muito tempo a afligem. A experiência faz G.H. questionar a própria identidade e as convenções da sociedade patriarcal que tolhem as mulheres e a condição feminina desde sempre até a atualidade.

Conhecido pelo requinte artístico de suas produções audiovisuais, Luiz Fernando Carvalho volta ao longa-metragem 22 anos depois de outra desafiante adaptação cinematográfica de um texto literário igualmente opulento: o filme Lavoura Arcaica (2001), inspirado no texto de mesmo nome do escritor Raduan Nassar. A Paixão Segundo G.H. conta no elenco com a participação especial da guineense Samira Nancassa, eleita Miss África Brasil em 2018, em seu primeiro trabalho como atriz.

Como sempre nos trabalhos dirigidos por Carvalho – como as minisséries Os Maias (2001), A Pedra do Reino (2007) e Capitu (2008) e as novelas Meu Pedacinho de Chão (2014) e Velho Chico (2016) –, A Paixão Segundo G.H. destaca-se pela qualidade da produção, na qual a fotografia, a direção de arte e a trilha sonora estão harmonizados em função do projeto estético do realizador.

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Praticamente todo ambientado no luxuoso apartamento na zona sul carioca da personagem central, o filme é projetado em uma janela singular de exibição: a imagem na tela é quase quadrada, com bordas arredondadas, lembrando o formato das fotos analógicas antigas. A câmera de Carvalho parece enfeitiçada pela presença de Maria Fernanda Cândido, enquadrando seu rosto em longas sequências nas quais a atriz conduz o espectador pela prosa poética de Clarice.

O efeito é magnético: graças à combinação de atuação excepcional e beleza clássica desconcertante, Maria Fernanda contribui para que a narrativa experimental do filme seja mais palatável, fazendo com que o mergulho no vórtice das águas profundas do solilóquio de G.H. seja uma experiência sensorial envolvente, ainda que estranha.

Paris Filmes/Divulgação

A Paixão Segundo G.H.: * * * *

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de A Paixão Segundo G.H.:

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